Cora Coralina – Todas as Vidas

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"Cora Coralina - Todas as Vidas" mostra como a poesia e a vida eram intrinsecamente ligadas uma na outra para a poeta goiana

A poeta Cora Coralina começou a escrever desde de muito pequena, em Goiás, quando passou a manter uma relação muito estreita com a cidade e a natureza. Era uma profunda observadora das coisas, das pessoas e dos espaços, sua condição de existência era a escrita e isso é nítido nos seus textos. Em Cora Coralina – Todas as Vidas, o realizador Renato Barbieri une ficção e documentário para tratar da trajetória da poeta mostrando como sua vida era regida pelo brilho das palavras, mesmo quando tudo parecia muito difícil.

Cora Coralina teve seu primeiro livro publicado apenas depois dos 70 anos, ganhou muita notoriedade quando Carlos Drummond de Andrade a conheceu e escreveu um artigo sobre ela no Jornal do Brasil, onde mantinha uma coluna. Nenhuma novidade uma escritora precisar do crivo do cânone masculino para que seja reconhecida, porém o longa vai pelo lado contrário de focar nessas pequenezas do mundo editorial. Em Cora Coralina – Todas as Vidas é possível perceber como a vida, e a atenta observação dessa, eram matéria-prima para a poesia da autora. Nenhuma existia sozinha: vida e poesia, Cora e a escrita.

Mesmo que nunca tivesse sido publicada, Cora Coralina ainda teria escrito e isso fica bastante claro durante o andar do documentário. Desde jovem a escritora já era considerada uma intelectual em Goiás e por onde passou – interior do Rio de Janeiro, São Paulo e voltando ao estado de origem, finalmente – ela deixou suas marcas, fossem em ações em prol da comunidade ou escrevendo em jornais locais. Mesmo que as regras sociais do momento cerceassem a atuação de mulheres em várias esferas sociais, Cora se colocava na escrita e em suas ações. Nada ficava apenas no plano das ideias e intelectualidade, quando precisava agir, e até mesmo partir, ela o fez sem pestanejar. Isso é fundamental para que Cora Coralina – Todas as Vidas funcione em seu papel documental, pois como a autora ficou conhecida tardiamente, a visão dela como uma idosa calma e falante não faz jus às guerras que teve que enfrentar ao longo da vida, desde quando era apenas a pequena Aninha.

A resolução estética que o longa dá para que a poesia funcione durante o longa é experimentar com o diálogo de várias vozes. As atrizes Beth Goulart, Zezé Motta, Camila Márdila, Tereza Seiblitz, Walderez de Barros, Maju Souza e a pequena Camila Salles se revezam para dar conta da variedade de vidas vividas por Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, tão precocemente decidida em ser, em sua maioria, apena Cora Coralina. As vozes e corpos dessas mulheres circulam por ambientes memorabilísticos que inspiraram a poeta, suas vozes ecoam apenas poemas e textos escritos por Cora, não é preciso dizer nada além. Com isso o realizador dá conta de um documentário poético, que faz jus à vida de uma escritora tão prolífica e atenta.

Diferente de Lygia: Uma Escritora Brasileira, Barbieri não justifica a escrita de uma mulher partindo apenas de sua vida, mas sim faz o caminho de embrenhar a poesia e vida numa trajetória só. Não glamuriza o ofício da escrita, muito menos uma vida que justificaria essa escrita, mostrando a escritora que fazia doces para sustentar a família, a poesia que lidava com a saudade do passado de Aninha e as publicações críticas, da Cora Coralina que queria o mínimo de justiça. Foram muitas poetas, porém não foi a única. Quantas outras Cora Coralinas tivemos pelo Brasil?

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