Mulheres Divinas

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"Mulheres Divinas" conta, de forma divertida, a luta das mulheres suíças para obterem o direito ao voto nos anos 70

Parece que As Sufragistas, filme de 2015, realizado pela inglesa Sarah Gavron, abriu caminho para que outros países do mundo contassem histórias de lutas das mulheres durante o século XX. No caso do filme britânico, sabemos que os embates ao direito do voto vêm desde meados do século XIX, causando, inclusive, a detenção e morte de algumas manifestantes. É bastante espantoso saber em Mulheres Divinas, realizado por Petra Biondina Volpe, que na Suíça foi apenas no começo dos anos de 1970 que as mulheres conseguiram ter esse direito.

Diferente do clima apresentado por Gavron, o filme de Petra aposta na fórmula de comédia dramática – uma narrativa com bases no estilo americano, à la Estrelas Além do Tempo, por exemplo – para contar uma situação em uma pequena cidade do país em que as mulheres se juntaram para reivindicar seus corpos e seus direitos de cidadãs. O ano é 1971 e o mundo sofreu várias revoluções desde 1968, no interior conservador da Suíça a jovem Nora (Marie Leuenberger) está casada, com dois filhos e uma rotina sólida. Parou de trabalhar e resume sua vida no marido, sogro, filhos e afazeres domésticos. Depois de acompanhar uma crise familiar com sua cunhada e a filha adolescente, que é hippie e clama por liberdade, acaba conhecendo um grupo de feministas que a faz repensar seu corpo e vida.

As ações de Nora se resumem a transformar o seu cotidiano e o das mulheres da sua cidade: desde um corte de cabelo, no qual se sinta bonita, até questionamentos sobre a falta de prazer nas relações sexuais com seus companheiros. Mulheres Divinas tenta dar um panorama de como o lema o privado é político afetou mulheres do mundo inteiro naquele momento. Também se esforça em representar a pluralidade de históricos dessas mulheres, mostrando que o feminismo tenta ser o máximo possível inclusivo, pelo menos naquele contexto branco e europeu da Suíça. Os homens também são apresentados como pouco questionadores das normas passadas de geração em geração, apenas quando as mulheres fazem greve doméstica é que de fato param pra pensar na lógica em que seus núcleos familiares funcionavam. O filme trata tudo isso de forma positiva e didática, não que isso seja um problema, mas há pouco espaço para os embates ocorridos de fato.

O nome Nora faz uma bela alusão – não se sabe se consciente – a protagonista da peça A Casa de Bonecas, do sueco Henrik Ibsen, uma personagem precursora da autonomia das mulheres. Em vários momentos a Nora do filme se parece com a Nora sueca, que vai percebendo o engessamento de sua vida após o casamento. Aqui a protagonista é muito mais otimista e apaixonada pelo seu marido, acreditando na sua mudança. Já a sueca consegue uma autonomia, optando pela liberdade ao invés da infelicidade, alimentando uma luta constante, o que faz parecer Mulheres Divinas apenas uma anedota corriqueira sobre esposas querendo apenas votar, se sentindo vitoriosas por seus maridos agora lavarem a louça em casa. Claro que a proposta do filme não é ir além disso e nem deveria ser. Provavelmente precisamos de mais produções que mostrem também as pequenas vitórias otimistas ao longo das últimas décadas, do que vermos apenas como nossos direitos estão sempre ameaçados.

Mulheres Divinas é o indicado ao Oscar de 2018, pela Suíça, na categoria de filme estrangeiro. Prestando atenção no histórico da premiação, é pouco provável que o filme esteja na lista final dos concorrentes, pois apesar da temática divertida e importante, é um filme de concepções muito simples e corriqueiras ao cinema americano mais popular. Porém, o longa merece atenção por retratar uma luta que refletia toda uma causa de época que reverbera ainda hoje. Infelizmente sempre estamos correndo o risco de perdermos nossos direitos e a história representada na arte – aqui no caso o cinema – é uma ferramenta fundamental para isso.

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