O ucraniano Mstyslav Chernov é um cinegrafista e fotógrafo conhecido por suas coberturas em regiões de conflito, dentro e fora de seu país. Em 20 dias em Mariupol ele reúne, em um documentário, imagens dos primeiros vinte dias do que ficou conhecido como “o cerco” naquela cidade: a invasão russa que começou em fevereiro de 2022 e mantém uma guerra entre os dois países até o momento, março de 2024.
A cidade documentada fica em um lugar estratégico no litoral da Ucrânia, sendo reivindicada por separatistas desde, pelo menos, 2014. É uma cidade que interessa a ambas as partes do conflito, em uma das regiões mais populosas do país. Justamente por isso, quem paga o preço amargo (de sangue) da guerra são os civis que apenas querem sobreviver. Chernov filma o dia a dia da invasão russa, entrando e saindo de hospitais improvisados e conversando com pessoas pelas ruas, que fogem, desesperadas, ou saqueiam lojas e supermercados. Uma boa parte das imagens que compõem 20 dias em Mariupol foram veiculadas em emissoras de televisão internacionais. A montagem do longa nos coloca como observadoras de um reality show onde Chernov insiste que filmar a crueldade do exército russo é o melhor que ele pode fazer para que o mundo fique sabendo do que está acontecendo. Realmente, não é nada fácil ver uma maternidade bombardeada, um casal que chega com seu filho, de um pouco mais de um ano, morto nos braços e porões de hospitais repletos de cadáveres. Até mesmo um homem apático que anda pela rua, carregando o que sobrou das suas coisas pessoais, causa um tipo de comoção desconhecida para nós que não vivemos em regiões de guerra.
Mstyslav Chernov faz parte da The Associated Press, agência independente e estadunidense de notícias, fundada ainda no século XIX. É um pouco difícil não associar a edição do longa – lenta e exploratória em relação ao genocídio que soldados russos engendram ao comando de Putin –, com uma vontade de controle por parte da narrativa dos Estados Unidos. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o russo, Vladimir Putin, aparecem raríssimas vezes nas imagens de TV, sendo que são figuras-chave para os conflitos. O foco de 20 dias em Mariupol é a matança e a precarização da vida dos civis durante o cerco. Apesar da importância dessas filmagens – mesmo que elas já tenham sido largamente veiculadas na imprensa –, o documentário soa tão apático quanto a voz narradora de Chernov. Não há um envolvimento crítico diante da dor dos outros, como diria a pensadora Susan Sontag. Chernov vai embora da cidade vinte dias depois e as pessoas continuam naquele lugar. Já os russos, mesmo com as imagens veiculadas, negam e dizem que elas são forjadas pelo ocidente. Para quem assiste, é visivelmente uma disputa de narrativas enquanto na prática a guerra vai tornando as pessoas mais violentas diante do medo e da fome.
Hoje, quase dois anos depois dos eventos narrados em 20 dias em Mariupol, é no mínimo estranho ver os noticiários internacionais como Guardian (Inglaterra) e CBC News (Canadá) mostrarem como a Rússia está “reconstruindo” a cidade, dentro dos seus próprios padrões, sejam lá quais forem. Se tem algo que fica depois do documentário, diante dos horrores das perdas humanas e materiais, é que os homens da guerra destroem e reconstroem como desejam, usando vidas como fantoches de suas brigas egóicas por fronteiras imaginárias. Mas esse é um pensamento em que chegamos sozinhas, sem a ajuda do diretor do filme.