45 Anos

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Depois de quase meio século juntos, um casal acredita que chegou na cumplicidade perfeita. São milhares de dias e noites compartilhados, praticamente um estudo minucioso do comportamento do outro, repetido tantas e tantas vezes. Muitas coisas acontecem em quase cinco décadas e quase sempre somos levados a acreditar que o tempo sempre constrói, inclusive no processo de apagar pequenos borrões do passado. No drama 45 Anos, do diretor inglês Andrew Haigh (Weekend), os veteranos Charlotte Rampling (A Duquesa) e Tom Courtenay (O Quarteto) vivem um casal lidando com um passado vivido antes da sua história juntos, mas que pode ser crucial para dar sentido a ela.
Baseado no conto In Another Country, do inglês David Constantine, 45 Anos traz como protagonistas o casal Kate e Geoff Mercer na véspera do aniversário – homônimo ao filme – de casamento. Começando com uma cena em plano aberto, de uma paisagem bucólica do interior da Inglaterra, o longa mostra a paz em que vive o casal de idosos, sem filhos e com uma rotina simples. Faltando apenas uma semana para as comemorações desse aniversário, Geoff recebe uma carta perturbadora: o corpo de sua antiga namorada, desaparecido há cerca de cinquenta anos, foi encontrado nas geleiras dos Alpes Suíços.
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O fato de imaginar a primeira amante, intacta por conta do gelo, apavora o idoso Geoff. Um simples acontecimento que desencadeia uma série de questionamentos sobre o tempo e a passagem implacável desse fenômeno. Já para Kate é a incerteza das décadas ao lado do marido que a preocupam. Como saber se o que viveu não é uma mentira? Em determinado momento vários sinais se manifestam, um cheiro típico pela casa se revela o perfume da mulher que morreu e elementos do cotidiano param de ser lembranças do casal Mercer para pertencer a um passado mais longínquo. Como se todas as décadas compartilhadas por eles não fosse mais uma construção de vida a dois, mas sim a substituição ou mesmo a cura da dor pela perda de Geoff.
Vários aspectos simbólicos são usados na construção do enredo de 45 Anos, como o sótão onde Geoff acumula o passado e Kate descobre fotos de Katya, revelando frame após frame uma história que desestabiliza toda a lógica criada pelo casal ao longo do tempo. Ainda, há os amigos feitos durante a vida conjugal, pessoas que guardam memórias, fotos e vídeos do passado. A grande questão, que passa a tirar o sono de Kate, é que será mesmo que só o tempo pode curar uma dor ou o tempo apenas constrói substituições, formas de aplacar dores de coisas perdidas ao longo do caminho?
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Apesar de todo o contorno sobre a situação de Geoff e a tragédia da perda – o inesperado e a forma em que ela se deu – 45 Anos é menos sobre a dor dele e o questionamento da suposição se a vida teria sido diferente caso Katya estivesse viva. É mais sobre a insustentabilidade de algo que se acreditava ser sólido e o tremor causado pelas revelações inesperadas. O longa promove quase que uma filosofia sobre a dúvida, os significados da rotina, os sentidos do amor, da cumplicidade e das escolhas feitas ao longo da vida. O próprio autor do conto – inspirado em uma situação real onde um filho idoso descobre sobre o corpo do pai intacto em uma geleira – afirma que nada está morto e enterrado, e o que Andrew Haigh faz durante o filme é conduzir o olhar do espectador para dentro desse pequeno universo do casal Mercer e o impacto dessa notícia, sem deixar de olhá-los pensando em si mesmo.
O grande destaque de 45 Anos é a atuação da dupla Charlotte Rampling e Tom Courtenay, em uma sintonia muito bem dirigida. Charlotte está em um de seus melhores papéis, deixando visível não apenas a força que exige o sentido de impermanência de Kate, mas todo o leque de situações que uma mulher na terceira idade enfrenta. Enquanto Geoff externaliza a sua dor, seja pela fala incessante das situações do passado e comentários sobre a sensação de peso da idade que a notícia trouxe, Kate é consumida – em uma atuação brilhante que somente a câmera íntima consegue captar – pela sua dúvida e possível ruína da sua história e lembranças.
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O ritmo do filme, em vários momentos, remonta ao Amor (2012) do Michael Haneke. Não pela temática mas pelo foco intimo nos personagens e cotidiano, pessoas na terceira idade tão pouco retratadas com firmeza no cinema. 45 Anos é uma bela metáfora contrária, inexplicavelmente sem ser pessimista, sobre como o amor é tantas vezes popularizado pelas juras eternas da juventude. Um filme sensível sobre a beleza da finitude e os sentimentos latentes que ultrapassam qualquer lógica de idade.
Nota:

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