Podemos dizer que a ideia de transformar histórias amadas e personagens em marcas foi inventada por Walt Disney. Ele construiu seu império a partir da imagem de Mickey Mouse (que fez sua estreia em 1928), mas a Disney realmente patenteou o conceito em 1955, com o lançamento da Disneyland, onde as crianças puderam “encontrar” seus amados personagens em “carne e osso”.
Vinte e três anos atrás, A Bela e a Fera chegava às telonas a partir do sucesso da Broadway, mudando esse conceito de marca baseando-a em um aclamado musical. Agora o estúdio traz uma reimaginação de luxo para este clássico, com um filme primorosamente trabalhado, com diversos aspectos arrebatadores, e que faz a nostalgia nos lembrar que as vezes o velho é novo, mas ainda assim isso não isenta o longa de algumas falhas.
Mas quão importante em termos criativos pode ser a refilmagem de um clássico como este? É uma moda? Uma revolução criativa? Não importa! O estúdio já possui uma refilmagem de Rei Leão nos trilhos. Quanto a A Bela e a Fera, a simples curiosidade do público já é o fator para garantir a bilheteria. E o filme é um romance tão envolvente e espirituoso quanto o original? Não, mas não deixa de ser uma experiência emocionante, por vezes estranha, mas convincente. É o filme que o mundo todo esperava, na verdade, e você escolhe se isso é um elogio.
Uma boa animação é, mais do que apenas um filme, um universo inteiro, pelo menos como eram concebidos os clássicos Disney. Cada gesto, cenário e movimentos, desde as expressões faciais até uma simples gota de água, fluem juntamente com uma unidade poética. Esse é o “milagre” cativante da animação.
Quando você assiste o novo A Bela e a Fera, você está em um universo escuro e tempestuoso. O design visual, especialmente no majestoso castelo, é quase gótico (Tim Burton manda lembranças). No começo, quando Bela (Emma Watson, ótima no papel) sai de sua casa e vagueia pela vila cantando “Belle”, o otimismo está todo lá, mas parece que falta algo. Não é que o diretor, Bill Condon (Dreamgirls), faça algo desajeitado ou quadrado. É que o material parece perder um pouco do brilho que a animação possuía. A maioria das sequências não são ruins, são apenas… padrão, por assim dizer.
Os personagens animados, Lumière, o candelabro (voz de Ewan McGregor), Cogsworth, o relógio de pêndulo (Ian McKellen) e Garderobe, o guarda-roupa (Audra McDonald) são animados com maestria e parecem palpáveis. O Número musical “Be Our Guest” traz toda a exuberância do original de uma maneira loucamente requintada. Mas ao decorrer dele ficamos num limiar entre a emoção e a exaustão, vide que todos os efeitos especiais que estão presentes são muito pesados.
Eu continuo comparando A Bela e a Fera com a versão animada, ficando a pergunta: é isso que devemos fazer? Ou deveria o filme se sustentar por conta própria? O filme quer fazer ambas as coisas: ser nostálgico e novo ao mesmo tempo, e ele faz, mas aí entra a metafísica contraditória da cultura de reinicialização do cinema hollywoodiano. Estamos todos atraídos para ver coisas antigas… mas queremos que elas sejam novas?
O live-action de A Bela e a Fera é bastante diferente, e se você nunca assistiu à animação, é forte o suficiente para se manter sozinho, no entanto a coisa não é assim tão simples, certo? A maior fantasia de um filme como este é ver nossa animação predileta “ganhar vida”, e isso pode ser um sonho comercial para o estúdio (que trará toda a base de fãs do original novamente ao cinema para ver a reimaginação). A animação, no seu auge, é uma bela imitação da vida. Não fica claro apenas se o público quer que toda vez ocorra uma imitação da imitação.