Adoráveis Mulheres

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A alma atemporal de “Adoráveis Mulheres”

Greta Gerwig revisita o clássico de Louisa May Alcott em Adoráveis Mulheres de forma audaciosa, capturando a essência das irmãs March enquanto subverte expectativas com uma estrutura narrativa ousada. Em vez de seguir a história cronologicamente, Gerwig adota uma abordagem não-linear, embaralhando as linhas do tempo e acrescentando um final que sugere uma conexão metalinguística entre Jo e a própria Alcott. Esse toque moderno dá ao filme uma identidade própria, mesmo com a responsabilidade de se comparar a adaptações amadas como a versão de 1994.

A decisão de Gerwig em estruturar o filme em dois períodos distintos permite um contraste marcante entre os sonhos e as realidades das irmãs. De um lado, vemos o brilho e a vivacidade de uma juventude compartilhada, marcada por risos e esperanças. Do outro, acompanhamos os dilemas e decepções da vida adulta, enquanto cada irmã luta com as escolhas que a sociedade, a família e as próprias ambições lhe impõem. Esse formato, ao exigir atenção do espectador, agrega uma profundidade emocional à trama.

No coração do filme está Jo March, interpretada de forma arrebatadora por Saoirse Ronan. Em uma performance que torna Jo ainda mais forte e vulnerável, Ronan personifica a essência feminista da personagem, que questiona os papéis de gênero sem desconsiderar os limites de seu tempo. A cena em que Jo, após um discurso sobre excepcionalismo, admite estar “tão solitária” é especialmente comovente, revelando uma heroína que, embora destemida, também sente profundamente as inseguranças e desafios da vida.

Florence Pugh também se destaca como Amy, oferecendo uma interpretação mais complexa e menos caricatural da irmã caçula, que busca tanto a realização amorosa quanto a financeira. Amy, geralmente vista como egoísta, ganha uma nova camada, com Pugh mostrando seu crescimento e ambições em contraste com as expectativas de seu tempo. Emma Watson como Meg e Eliza Scanlen como Beth trazem solidez ao elenco, embora suas personagens não recebam o mesmo foco de Jo e Amy.

A atuação de Ronan é especialmente notável e talvez seja a Jo definitiva das telas, mesmo em comparação com performances icônicas de adaptações anteriores. Seu carisma mantém o público engajado, enquanto Gerwig constrói o filme em torno de sua presença magnética. Nos papéis de apoio, Chris Cooper se destaca ao adicionar profundidade em pequenas cenas, surpreendendo ao sobressair mais que Meryl Streep, cuja Tia March é espirituosa, mas lembra bastante a personalidade rígida de figuras como a Condessa de Downton Abbey.

A abordagem de Gerwig, ao enfatizar os temas feministas de Adoráveis Mulheres sem forçar anacronismos, permite que o filme permaneça fiel ao espírito do romance. Jo é uma personagem forte, mas não uma idealização fora de contexto; é realista e palpável, uma jovem que tenta se destacar em um mundo que lhe restringe as possibilidades. Essa fidelidade ao período, aliada à sensibilidade de Gerwig, faz com que o filme ressoe com o público contemporâneo.

Talvez o ponto mais controverso do filme seja o desfecho “meta” que funde ficção e realidade, insinuando que a história de Jo é tanto de Alcott quanto da personagem. Embora alguns possam questionar essa escolha, ela amplia o impacto da narrativa, evidenciando o dilema entre o desejo de independência e a pressão social pela conformidade que Alcott enfrentou. Para alguns puristas, essa mudança pode ser ousada demais, mas ela enriquece o filme ao incluir uma perspectiva autoral.

A pergunta inevitável é: esta adaptação é necessária? A resposta é sim. Adoráveis Mulheres de Gerwig traz uma nova sensibilidade e atuações memoráveis, principalmente de Ronan e Pugh, que tornam a história mais acessível para novas gerações. O estilo único e a visão de Gerwig revitalizam a obra, consolidando seu valor no cinema atual e possibilitando que ela alcance um público que talvez nunca tenha lido Alcott.

No fim das contas, Adoráveis Mulheres é um filme que honra seu material de origem enquanto reflete a visão única de Greta Gerwig. Seja pelas escolhas narrativas corajosas ou pelas performances impactantes, a adaptação de Gerwig tem o poder de se tornar um clássico para esta geração, trazendo uma profundidade renovada a essa história atemporal.

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