Adorável Júlia é um retrato espirituoso e melancólico do teatro e da própria vida como um palco em constante transformação. Ambientado na Inglaterra dos anos 1930, o filme acompanha Julia Lambert (Annette Bening), uma atriz consagrada que começa a encarar as primeiras rachaduras de sua persona tão cuidadosamente construída. Entre a glória dos holofotes e o vazio dos bastidores, Julia precisa descobrir se ainda há espaço para ela no papel principal — na peça e no mundo.
Com direção elegante de István Szabó, o longa se move como uma peça de teatro clássica, cheia de intrigas, reviravoltas e figurinos deslumbrantes. Julia vive um momento de crise: sente-se cansada, envelhecida, desconectada de sua arte e de si mesma. Quando o marido (Jeremy Irons) lhe apresenta Tom (Shaun Evans), um jovem e encantado admirador, ela vê nele uma promessa de renovação — tanto artística quanto pessoal.
A relação entre Julia e Tom é carregada de desejo, vaidade e ilusão. Para ele, ela é uma porta para o estrelato. Para ela, ele é um elixir de juventude. O envolvimento entre os dois, no entanto, revela-se menos sobre paixão e mais sobre papéis interpretados fora do palco. E Julia, mestra em encenações, demora a perceber que caiu numa armadilha montada por alguém com pretensões de autor da própria história.
O roteiro, adaptado do romance Theatre de W. Somerset Maugham, mergulha nas múltiplas camadas da protagonista. Julia é atriz dentro e fora dos palcos — uma mulher que vive de forma performática, muitas vezes incapaz de separar a arte da vida. O filme brinca com essa ambiguidade ao introduzir personagens como o fantasma de seu antigo mentor (Michael Gambon), que a orienta como se ainda estivesse dirigindo sua atuação — ou talvez, sua existência.
A performance de Annette Bening é o grande trunfo de Adorável Júlia. Com carisma, ironia e uma fragilidade comovente, ela encarna uma mulher ciente de sua decadência e, ao mesmo tempo, ferozmente determinada a não ser apagada. Há algo de trágico em sua vaidade, mas também uma força admirável na forma como ela enfrenta o ridículo e transforma a humilhação em espetáculo.
O clímax, naturalmente, acontece no palco — lugar onde Julia se sente mais viva. Ali, ela vira o jogo diante de todos, transformando traição em triunfo com um monólogo arrebatador. Não se trata de redenção, mas de domínio. Julia não quer apenas ser amada ou desejada. Ela quer ser lembrada. Quer deixar claro que, enquanto houver plateia, ela continuará no centro da cena.
Adorável Júlia é, acima de tudo, uma celebração do poder feminino e da arte de representar. Ao mesmo tempo que reconhece a dor de envelhecer num mundo que exige juventude, o filme exalta a inteligência, a astúcia e a experiência como armas legítimas de sobrevivência. Julia Lambert pode estar perdendo o brilho da juventude, mas seu talento para o drama permanece absolutamente intacto.