Ainda Somos os Mesmos, dirigido por Paulo Nascimento, traz à tona um dos períodos mais sombrios da história da América Latina, retratando as consequências da ditadura militar no Chile. O filme é centrado em Fernando (Edson Celulari), um pai desesperado em busca de seu filho Gabriel (Lucas Zaffari), que buscou refúgio no Chile durante o início da ditadura militar brasileira. No coração dessa trama, o longa explora os laços familiares, os sacrifícios e as feridas deixadas pelo regime autoritário.
O que diferencia Ainda Somos os Mesmos de outras obras que abordam o tema é sua escolha de focar não apenas nas atrocidades cometidas, mas também nas complexas relações familiares e no impacto emocional que esses eventos causam nos personagens. A tensão geracional entre Fernando e Gabriel estabelece o tom do filme, com Gabriel sendo um jovem idealista revoltado contra a opressão, enquanto Fernando, um capitalista influente, usa seu poder para tentar proteger seu filho, mesmo sem compreender plenamente seus ideais.
No entanto, ao mergulhar nesse drama familiar, o filme tropeça em vários aspectos. A “mão pesada” do diretor se reflete na forma como a narrativa força a dramaticidade na maioria das cenas. A trilha sonora exageradamente intrusiva e a iluminação excessivamente escura em momentos de tensão tornam-se elementos que prejudicam a imersão do espectador e servem para tapar as limitações dramáticas da maioria do elenco que faz o que pode com um roteiro cheio de pieguice. A tentativa de criar um ambiente claustrofóbico, especialmente nas cenas ambientadas na embaixada argentina, onde Gabriel se refugia, não atinge o efeito desejado, deixando a ambientação artificial e sem força emocional.
Ainda assim, Ainda Somos os Mesmos não falha completamente em sua proposta. A relação entre pai e filho, que poderia facilmente se tornar um clichê, é tratada com cuidado, evidenciando as diferenças ideológicas de ambos. A performance de Edson Celulari, como Fernando, não é nada crível, mas ainda mostra um pouco do conflito interno de um homem que está disposto a tudo para salvar seu filho, mesmo que isso signifique se envolver com militares corruptos.
O filme também tenta abordar uma série de questões complexas, como a intervenção política dos EUA no golpe chileno (e em todas as ditaduras da América do Sul), a brutalidade do regime de Pinochet e o sofrimento dos presos políticos. No entanto, a densidade desses temas muitas vezes é tratada de forma superficial, deixando a sensação de que a obra tenta abraçar mais do que consegue explorar adequadamente em seu curto tempo de projeção.
As cenas na embaixada, onde os refugiados se amontoam em busca de proteção, deveriam ser um dos pontos altos do filme. No entanto, a falta de uma construção mais visceral desse cenário acaba por diminuir o impacto que essas cenas poderiam ter. A sensação de pânico e desespero, que seria esperada em um espaço cercado por militares prontos para atacar, não é plenamente transmitida. Esse é um exemplo de como a direção de Nascimento, por vezes, falha em traduzir a tensão da trama de maneira eficaz.
Apesar de seus tropeços, Ainda Somos os Mesmos merece crédito por trazer à tona uma história importante sobre os sobreviventes da ditadura e suas cicatrizes emocionais. As cenas finais, que incorporam imagens de arquivo e letreiros explicativos, conferem uma aura que reforça o peso histórico dos eventos retratados, lembrando ao público que as lutas dos personagens são baseadas em fatos reais (e acaba que seria melhor ter um documentário sobre o tema do que esse filme dramático que falha em entregar o drama da situação).
Em resumo, Ainda Somos os Mesmos é uma obra ambiciosa que, não consegue alcançar todo o seu potencial, mas que ainda se destaca por trazer à tona um registro cinematográfico sobre os horrores da ditadura e a resiliência dos que sobreviveram a ela. Podia ser bem melhor realizado, é verdade, mas que bom que estamos falando desses horrores tão ovacionados pela extrema direita ainda hoje.