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Ataque dos Cães

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A tensão silenciosa de “Ataque dos Cães”

Em Ataque dos Cães, Jane Campion retorna ao cinema com uma história envolta em tensão e silêncio, usando o western como cenário para explorar as complexas facetas da masculinidade e o poder corrosivo da repressão. Adaptado do romance cult de Thomas Savage, o filme gira em torno de dois irmãos opostos: Phil, interpretado por Benedict Cumberbatch em uma performance feroz, e George, vivido por Jesse Plemons. A chegada inesperada de Rose (Kirsten Dunst), esposa de George, ao rancho familiar, desencadeia uma série de conflitos profundos que mudam a dinâmica da casa.

A relação entre Phil e George é o primeiro ponto a ser explorado, com Phil se destacando como um homem amargo e provocador, cujas atitudes são uma forma de controle sobre todos ao seu redor. Ele se refere ao irmão de maneira depreciativa, chamando-o de “Fatso”, mas há também um toque de dependência nesse comportamento. Campion cria uma tensão palpável entre eles, e a presença de Phil passa a reverberar em toda a casa, de maneira cada vez mais insidiosa.

A entrada de Rose neste ambiente já hostil não faz nada além de intensificar a animosidade. Vivendo a angústia de se sentir deslocada, Rose se vê encurralada pela presença de Phil, que não poupa esforços para fazê-la se sentir inferior. Dunst traz uma vulnerabilidade áspera à personagem, que vai perdendo a serenidade conforme os abusos de Phil se tornam mais constantes. A relação entre ela e George, que parecia inicialmente baseada em afeto, começa a se deteriorar sob essa pressão constante.

Conforme o filme se desenrola, Campion amplia o foco para os traumas e desejos reprimidos de Phil. A chegada de Pete, o filho de Rose, interpretado por Kodi Smit-McPhee, expande a narrativa para um estudo de personagem ainda mais complexo. Pete é um jovem frágil e introspectivo, atraído pela beleza natural ao seu redor. Ele acaba formando um vínculo com Phil, que desperta memórias e emoções até então adormecidas, sugerindo um passado marcado por uma relação íntima com seu antigo mentor, Bronco Henry.

Com um ritmo deliberadamente lento, Campion permite que a paisagem e os pequenos detalhes falem tanto quanto os personagens. Ela utiliza o cenário do rancho como um espelho para os conflitos internos de Phil e os sentimentos em ebulição na trama. A cinematografia de Ari Wegner captura com maestria a vastidão das paisagens, ao mesmo tempo deslumbrantes e opressoras, evocando uma sensação de isolamento que complementa a complexidade emocional da narrativa.

A performance de Cumberbatch é um ponto alto do filme. É raro ver Campion explorar o ponto de vista masculino com tanta profundidade, e Cumberbatch abraça o papel de Phil com todas as suas camadas de brutalidade e vulnerabilidade. Essa é uma atuação marcante, que imprime na tela o peso das emoções ocultas e da raiva reprimida de Phil, tornando-o um personagem tão fascinante quanto perturbador.

Mesmo com atuações de peso, como a de Plemons e Dunst, o foco no personagem de Phil acaba reduzindo o tempo de tela para os demais. Ainda assim, Campion faz escolhas instintivas e únicas que mantém a força de sua abordagem erótica e naturalista, eclipsando essas limitações. Ela constrói um filme que é uma experiência sensorial completa, onde cada detalhe, do couro queimado pelo sol às notas melancólicas da trilha sonora de Jonny Greenwood, contribui para a imersão do espectador.

Campion nos oferece um retrato incômodo e fascinante de masculinidade tóxica, enraizada em fragilidade e medo. Embora a narrativa às vezes pareça insuficiente, o poder sensorial de Ataque dos Cães é inegável, revelando as camadas profundas e conflitantes de seus personagens. A intensidade silenciosa e a precisão com que Campion manipula a tensão fazem deste um retorno triunfante para a diretora.

Com uma mistura de beleza e crueldade, Ataque dos Cães é um filme que assombra e instiga, solidificando o talento de Jane Campion em evocar emoções profundas a partir de sutilezas.

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