O filme Boyhood: Da Infância à Juventude representa um feito raro e ambicioso no cinema, conduzido por Richard Linklater ao longo de doze anos, explorando o crescimento de Mason (Ellar Coltrane) e a transformação de sua família. Com essa abordagem, Linklater consegue capturar não apenas a passagem do tempo, mas o impacto dele nas relações familiares, nas decisões dos personagens e no amadurecimento emocional de todos os envolvidos. O processo de gravação reflete a dedicação de Linklater à sua visão, que busca autenticidade ao acompanhar um elenco que cresce e muda junto com a narrativa.
Assim como na trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite, Linklater aqui adota o tempo real como ferramenta narrativa. O filme observa os pequenos e grandes eventos que moldam uma vida, evitando o recurso tradicional de substituir atores ou empregar efeitos visuais para representar o envelhecimento. Em vez disso, acompanhamos o desenvolvimento físico e emocional de Mason e sua irmã Samantha (Lorelei Linklater), imersos na naturalidade de seu crescimento ao longo dos anos.
Mais do que um simples experimento temporal, Boyhood é uma história cativante e bem construída sobre o amadurecimento. A autenticidade de ver Coltrane crescer diante de nossos olhos transforma a experiência cinematográfica e nos faz enxergar os personagens sob uma perspectiva nova e mais próxima. Essa escolha narrativa radical, que envolve um compromisso de doze anos, redefine a maneira como vivenciamos a jornada de Mason, proporcionando uma ligação profunda entre o espectador e o personagem.
Ao longo do filme, o enredo se desenrola com uma abordagem quase documental, trazendo-nos para perto de cada mudança na vida de Mason e Samantha. As cenas captam as nuances das relações familiares de forma orgânica, seja na convivência com sua mãe (Patricia Arquette), uma mulher batalhadora que busca construir uma vida melhor para os filhos, ou nas visitas esporádicas do pai (Ethan Hawke), cuja presença é sempre um misto de alegria e saudade. A honestidade das interações, as falhas dos pais e os desafios dos filhos criam um retrato fiel e comovente da vida em família.
A simplicidade das situações e a ausência de grandes momentos de clímax tornam Boyhood uma obra profundamente humana. A força do filme está justamente na forma como capta a beleza e a dor do cotidiano, sem recorrer ao melodrama. Linklater valoriza as pequenas vitórias e derrotas que compõem a vida real, em cenas onde os personagens enfrentam conflitos pessoais e tomam decisões que, embora aparentemente banais, moldam quem eles se tornam.
Um dos momentos mais intensos do filme ocorre quando o segundo marido da mãe de Mason, sob o efeito do alcoolismo, explode em um ataque de raiva durante o jantar. A cena é crua e impactante, e sua saída abrupta da vida dos personagens ecoa a forma como, na realidade, as pessoas vêm e vão, deixando marcas duradouras. A decisão de Linklater de não revisitar essa figura após o incidente reforça o caráter realista e cru do filme, onde nem todos os capítulos recebem um fechamento.
A estrutura de Boyhood enfatiza a transitoriedade e fragilidade da vida. Cada transição de ano é natural e, graças à continuidade dos atores, o filme flui com realismo, nos envolvendo em um percurso temporal que mescla as mudanças físicas e emocionais de Mason. Ao final de quase três horas de projeção, o espectador sente que realmente conheceu essa família, não apenas em momentos selecionados, mas ao longo de uma jornada contínua e intensa.
A experiência de Boyhood é uma viagem cronológica em vez de geográfica, uma história que avança pela linha do tempo e não por mudanças de cenário. Ao terminar, somos tomados por uma sensação de completude e satisfação, como se realmente tivéssemos acompanhado o desenvolvimento de Mason em um nível íntimo e profundo. A inovação e o compromisso de Linklater com essa narrativa tornam o filme único, um testemunho da passagem do tempo e da transformação humana.
No futuro, provavelmente veremos poucos projetos que seguem essa abordagem, devido ao tempo e esforço envolvidos. No entanto, Boyhood representa um marco no cinema, uma obra de paciência e autenticidade que celebra o ato de crescer e as relações humanas em suas formas mais simples e tocantes.