Cabaret

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"Cabaret": O brilho decadente de uma era em ruínas

Cabaret é um musical que desafia rótulos e expectativas, combinando a exuberância do entretenimento com a tensão política da Alemanha pré-nazista. Ambientado em Berlim no início dos anos 1930, o filme dirigido por Bob Fosse constrói uma experiência cinematográfica ousada, que vai muito além das cortinas vermelhas do Kit Kat Club. Ao fundo, a sombra do nazismo cresce. À frente, a ilusão de que a música, o sexo e a decadência podem manter o horror afastado — ainda que só por uma noite.

Liza Minnelli entrega, aqui, a performance mais icônica de sua carreira como Sally Bowles, uma cantora americana sonhadora, provocante e profundamente frágil. Sally é o coração de Cabaret, uma personagem que fascina tanto por sua entrega ao palco quanto por sua vulnerabilidade fora dele. Ao lado de Brian (Michael York), um professor britânico dividido entre o desejo por Sally e suas próprias inseguranças, ela vive uma relação que escapa aos moldes convencionais, abrindo espaço para discussões sobre sexualidade, identidade e sobrevivência.

A presença do Mestre de Cerimônias, vivido por Joel Grey, é essencial para o impacto do filme. Ele não apenas comanda os números musicais do cabaré — que funcionam como interlúdios e comentários mordazes sobre os eventos externos — como personifica a ironia sombria do roteiro. Com maquiagem carregada e sorrisos ambíguos, ele convida o público a rir enquanto o mundo ao redor dos personagens desmorona lentamente. É um papel simbólico, quase fantasmagórico, que transforma o Kit Kat Club em um espelho distorcido da realidade alemã da época.

Os números musicais, assinados por John Kander e Fred Ebb, são cuidadosamente coreografados por Fosse para servirem como críticas disfarçadas. Canções como “Money Makes the World Go Around”, “If You Could See Her” e “Tomorrow Belongs to Me” são tão cativantes quanto perturbadoras, revelando, nas entrelinhas, a ascensão de uma ideologia monstruosa. Em Cabaret, o espetáculo é um disfarce — e a plateia, cúmplice.

A direção de Fosse é inovadora ao tratar os números musicais como ilhas dentro da narrativa, quase sempre restritas ao espaço do clube. Ao fazer isso, ele evita a ilusão de que a música pode resolver os conflitos dos personagens. Em vez disso, os musicais servem para acentuar suas fraturas, seus medos, suas mentiras. O brilho do cabaré contrasta com a ruína social e moral que se insinua fora de cena, tornando o filme não apenas estiloso, mas assustadoramente lúcido.

Cabaret é também um marco pela forma como retrata a sexualidade de maneira aberta e fluida, especialmente para sua época. O triângulo amoroso entre Sally, Brian e o nobre alemão Maximilian desafia padrões heteronormativos e reforça o tema da liberdade como algo sempre ameaçado. O prazer, aqui, é efêmero — e muitas vezes, um gesto de resistência contra um mundo que se torna cada vez mais opressor.

Ao final, Cabaret deixa uma sensação agridoce: a de que tudo pode ser mágico por alguns minutos no palco, mas que, ao sairmos do espetáculo, a realidade pode ser brutal. A obra de Fosse continua a ressoar justamente por entender essa dualidade — entre o riso e o medo, a beleza e a barbárie. É um musical que canta para o abismo e nos obriga a ouvir sua resposta.

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