Canina, dirigido por Marielle Heller e estrelado por Amy Adams, parte de uma premissa intrigante: uma mulher suburbana, consumida pelo esgotamento da maternidade e da vida doméstica, começa a acreditar que está se transformando em um cachorro. Baseado no romance satírico de Rachel Yoder, o filme explora temas profundos como identidade, frustração e as expectativas impostas à mulher moderna. No entanto, apesar do potencial audacioso, a adaptação perde parte de seu impacto ao suavizar os elementos mais sombrios e viscerais da obra original.
Amy Adams, em um papel que foge do convencional, traz camadas de complexidade à protagonista. Sua personagem, uma ex-artista que trocou galerias renomadas por panelas e fraldas, navega entre o amor incondicional pelo filho e a frustração de ter sua individualidade apagada. Adams transmite essas nuances com autenticidade, alternando momentos de vulnerabilidade com explosões de raiva, especialmente nas interações com o marido, vivido por Scoot McNairy. Contudo, mesmo com sua entrega dedicada, as cenas que exigem que ela “aja como um cachorro” frequentemente resvalam no desconforto, sem atingir o impacto esperado.
O roteiro de Heller, embora fiel em parte ao espírito do romance, opta por um tom mais leve e episódico, diluindo o potencial de estranheza e profundidade. O uso recorrente de sequências oníricas e humor pode arrancar risadas, mas prejudica a imersão no dilema psicológico da protagonista. Além disso, a crítica à dinâmica doméstica e ao isolamento feminino no ambiente suburbano, embora válida, é apresentada de maneira superficial e previsível, sem trazer insights verdadeiramente transformadores.
Filmes e séries já exploraram os horrores e as alienações da maternidade com maior contundência. Obras como O Babadook e Hereditário, no horror, ou até mesmo a minissérie Sharp Objects, também estrelada por Adams, ofereceram abordagens mais complexas e perturbadoras. Comparativamente, Canina parece hesitar em morder, limitando-se a arranhar a superfície desses temas. Essa abordagem mais contida pode agradar a audiências que buscam um drama acessível, mas desaponta quem esperava algo realmente provocativo.
Ainda assim, o filme tem seus méritos. A direção de Heller, embora menos ousada do que em trabalhos anteriores como O Diário de uma Adolescente, mantém uma estética visual atraente e detalhada, que reflete o confinamento emocional da protagonista. As interações de Adams com as outras mães do bairro, por exemplo, trazem momentos de humor ácido e identificação, ainda que sejam rapidamente descartados para dar lugar a um desfecho mais sentimental.
Talvez o maior problema de Canina seja sua tentativa de equilibrar humor, horror e crítica social sem se comprometer inteiramente com nenhum deles. O filme oscila entre uma sátira absurda e uma ode à resiliência materna, mas falha em fundir essas vertentes de forma coesa. A decisão de suavizar os aspectos mais grotescos da transformação, tão marcantes no livro, resulta em uma experiência que carece da ousadia que a premissa prometia.
No final, Canina é uma obra curiosa e, em certos momentos, divertida, mas que jamais atinge todo o seu potencial. Para Amy Adams, é uma oportunidade de explorar territórios mais excêntricos, algo que ela faz com empenho, mesmo que o material não esteja à altura de sua dedicação. É um filme que late mais do que morde, mas que talvez inspire sua protagonista a abraçar projetos ainda mais ousados no futuro.