7.000 anos atrás, os deuses cósmicos conhecidos como Celestiais criaram uma raça imortal conhecida como Eternos, para proteger a Terra de seus opostos vilanescos, os Deviantes. Quando os últimos Deviantes são eliminados, os Eternos seguem caminhos separados – mas um evento específico desencadeia uma reunião familiar.
É difícil imaginar como a Marvel Studios conseguiu contratar Chloé Zhao para dirigir Eternos. Muitos cineastas de alto escalão já foram cogitados para o cargo, mas a Marvel é, acima de qualquer coisa, um estúdio dirigido por produtores, guiado pelos movimentos precisos de Kevin Feige. Os diretores mudam de projeto para projeto, mas Feige está sempre lá.
Zhao parece diferente. A mais recente vencedora do Oscar de Melhor Direção e Melhor Filme (por Nomadland), Zhao traz prestígio e credibilidade crítica. Ela é um tipo de cineasta impressionantemente sutil, carinhosa e galgada na realidade. Seus primeiros três filmes, são cuidadosamente compassados e guiados por personagens, aproveitam as paisagens americanas para entender melhor as pessoas marginalizadas que sobrevivem em suas periferias. O que acontece quando essa diretora mais humanista é solta com super-humanos?
Há uma tensão fascinante em Eternos entre a força imparável do projeto Marvel e as sensibilidades artísticas de Zhao. Em muitos aspectos, não se parece em nada com nenhum filme da diretora. O realismo de marca registrada de Zhao e a abordagem semi documentarista se foram junto com seu diretor de fotografia usual, substituídos por exposições fantásticas típicas do gênero e todas aquelas convenções dos blockbusters americanos. Não é nada ruim, mas qualquer um que previa o primeiro “filme de arte da Marvel” deve segurar suas expectativas.
E mesmo assim Eternos não se parece em nada com qualquer filme anterior do estúdio. Existem, por exemplo, pelo menos algumas novidades: uma cena de sexo e um beijo gay – ambos inéditos no casto Universo Cinematográfico Marvel. A diretora encontra espaço, também, para seu visual estarrecedor e cenas bastantes autorais, mesmo dentro dessa estrutura de blockbusters; seu amor por lentes grande angulares ou um pôr do sol no estilo de Terrence Malick empresta a essa brincadeira cósmica de Jack Kirby uma sensação terrena muito necessária.
É um contrapeso importante, na verdade, porque Eternos não é nada além de ambicioso. Se falássemos da Bíblia, este filme seria o Gênesis da Marvel: os créditos de abertura dão as proporções bíblicas (“No início…”). Os Eternos, somos informados, não são apenas os verdadeiros heróis mais poderosos da Terra, mas engrenagens essenciais no motor da evolução humana. Como os monólitos de 2001: Uma Odisseia no Espaço, eles nos levam ao longo de pontos-chave da civilização e fornecem inspirações para antigos mitos humanos.
Esta é uma narrativa em uma escala épica, abrangendo de 5.000 aC até os dias atuais. A estrutura confiante do filme se move entre flashbacks e diferentes locações, percorrendo a Terra da antiga Mesopotâmia aos jardins da Babilônia e da cidade asteca de Tenochtitlan para Camden High Street.
Jogando em um palco tão colossal, é inevitavelmente desafiador manter o foco no nível (super) humano. Zhao leva seu tempo para apresentar a todos adequadamente, dedicando muito do tempo de duração (157 minutos, este é o segundo filme mais longo depois de Vingadores: Ultimato) para reunir os dez personagens de volta, após séculos de separação. É inegavelmente revigorante ver tal mistura no line-up – esses antigos imortais falam em tons irlandeses ou na linguagem de sinais americana sem nunca sentir a necessidade de ouvirmos sobre isso – mas alguns personagens são mais interessantes do que outros.
Os principais destaques são o Kingo de Kumail Nanjiani, um Eterno que segue uma segunda carreira como uma estrela de Bollywood; seu ‘valete’ Karun, interpretado por Harish Patel, que é o típico homem comum que rouba a cena; e a Thena de Angelina Jolie, que brilha sem esforço real. Ikaris de Richard Madden e Sersi de Gemma Chan têm trabalhos mais complicados; como um herói de aço e líder, eles são sobrecarregados com diálogos genéricos (“Somos uma equipe – devemos ficar juntos!”) e uma seriedade sufocante.
Em se tratando de Marvel, chega a ser surpreendente, na verdade, o quão sério Eternos pode ser. É um contraste bem-vindo em relação à fórmula cômica da Marvel. Assim como acontece com a Primeira Diretriz seguida pela tripulação da Enterprise de Star Trek, os Eternos estão presos a uma política não intervencionista – eles devem apenas lutar contra os Deviantes, caso contrário, não devem fazer nada. A certa altura o filme questiona se há moralidade no fato de super-heróis super poderosos simplesmente deixarem os humanos cometerem genocídio.
Com mais frequência, porém, ele cai em armadilhas familiares sobre como salvar o mundo e aprender a trabalhar em equipe. Quando uma batalha gigante em computação gráfica tenta frustrar outro apocalipse potencial, você começa a sentir a fórmula batida do estúdio. É uma fórmula de sucesso impressionante, é claro. Mas isso significa que, apesar do nome empolgante da sua diretora, isso ainda é um filme de produtores da Marvel.