Billy Wilder, um dos maiores diretores das décadas de 1940 e 1950, ganhou seu primeiro Oscar de Melhor Direção por Farrapo Humano, em 1945 (ele ganharia outro por Se Meu Apartamento Falasse, em 1960). Ao longo de um período de 21 anos, começando em 1940 e concluindo em 1960, Wilder foi indicado por espantosas dezesseis vezes nas categorias de roteiro e direção. Quando Farrapo Humano se tornou vencedor na cerimônia de 1946, com quatro prêmios das sete indicações que teve, Wilder já estava entre a elite de Hollywood. As vitórias apenas trouxeram brilho à crescente reputação do cineasta que estava entrando na era mais produtiva de sua carreira.
Farrapo Humano é o exemplo perfeito de como a mudança de valores culturais pode alterar a forma como um filme é visto. Na época do lançamento, em 1945, havia muito debate sobre se o alcoolismo era uma doença ou uma fraqueza de caráter, e não havia escassez de defensores de ambas as posições. O alcoolismo foi declarado oficialmente uma doença em 1956. Hoje, a teoria da doença é amplamente aceita tanto por médicos quanto por leigos. Poucas pessoas ainda acreditam que o vício no álcool seja o resultado de uma falha de personalidade. Essa mudança de pensamento encerra o debate e influencia a maneira como o filme pode ser recebido por um espectador em potencial hoje em dia.
Embora o filme tenha sido visto como contundente em 1945, ele já perdeu espaço para filmes sobre alcoolismo e dependência de drogas que são muito mais abrangentes. Comparado com Réquiem para um Sonho, por exemplo, parece até ingênuo. No entanto, ele foi visto de outra maneira após o seu lançamento, quando se tornou o primeiro grande filme a usar uma abordagem “realista” para descrever como uma vida pode ser desperdiçada pela compulsão de consumir o álcool.
Antes de Farrapo Humano, o retrato típico de um bêbado era de natureza cômica. O Carlitos de Chaplin, que muitas vezes bebia demais, é um excelente exemplo. A embriaguez e a comédia nos filmes estavam há muito tempo entrelaçadas. Hollywood, inundada pelo álcool ao longo de sua história, não gostava de examinar esse vício muito de perto. Assim, Farrapo Humano, sem nenhum indício de humor, se destaca como uma tentativa inicial de dramatizar os efeitos do abuso do álcool, fornecendo um protagonista que é simpático, mas não adorável.
Quando Wilder leu o romance de Charles R. Jackson, no qual o filme se baseia, ele teve certeza de que poderia servir de base para um filme poderoso e inovador. Para esse fim, ele pressionou a Paramount a obter os direitos e depois começou a trabalhar no roteiro com Charles Brackett, seu colaborador frequente. Depois que o roteiro foi concluído, sua dificuldade foi encontrar um ator de ponta para interpretar o papel principal, embora tenha prometido um prêmio de Melhor Ator (uma promessa que foi cumprida) para cada um dos candidatos relutantes. O estúdio foi pressionado tanto por produtores de álcool quanto por grupos anti-álcool, e as preocupações com um fracasso de bilheteria resultaram em um lançamento limitado. A Paramount não precisava se preocupar. A resposta crítica foi arrebatadora e a recepção popular foi forte.
É impossível ver Farrapo Humano através de olhos contemporâneos da mesma forma que os espectadores o receberam durante seu lançamento. O filme continua a ser um drama sólido com uma performance incrível, mas não parece mais ousado ou chocante. Muita coisa aconteceu entre o lançamento e agora, com a sociedade cada vez mais solidária com os alcoólatras.
De certa forma, Farrapo Humano é interessante como uma cápsula do tempo para vermos o que era considerado inovador mais de 70 anos atrás, pois é um drama duradouro embora não seja atemporal. Poucos que prestigiarem a produção hoje não acharão que ele oferece uma visão única e que não é encontrada em outros lugares – uma afirmação que não era possível em 1945.