- O filme foi dirigido por Arthur Tuoto.
- Tuoto é um cineasta com muitas obras experimentais e artísticas.
- Esse é o seu primeiro longa de ficção.
- A atriz Mel Lisboa interpreta a protagonista Ingrid Savoy.
- O filme possui uma narrativa diferente, que pode ser desafiante para os acostumados a um cinema mais comercial.
- A direção e a fotografia são exuberantes. São as verdadeiras estrelas do longa.
- A atuação incomoda, pois segue direção oposta ao naturalismo que estamos acostumados.
QUAL A HISTÓRIA DE “FORAM OS SUSSURROS QUE ME MATARAM”? CONFIRA AQUI A SINOPSE:
Ingrid Savoy (Mel Lisboa), uma celebridade prestes a entrar em um reality show, passa seus dias confinada em um quarto de hotel. Entre visões premonitórias, um ataque de paparazzis e atentados anarquistas que estouram pela cidade, a artista vive a constante iminência de um escândalo.
UMA NARRATIVA DIFÍCIL E MARCANTE
Nosso olhar não está treinado para apreciar obras com requinte artístico, como o que preenche o cinema de Arthur Tuoto. Seu longa, Foram os Sussurros que me Mataram, deve agradar acadêmicos, entusiastas de arte e os cinéfilos (mas só aqueles que batem no peito e citam David Lynch, e não os que assistiram todos os filmes da Marvel e citam Howard, personagem de um filme de 1986). O filme de Tuoto é tão diferente, que me pergunto se o público em geral conseguirá apreciar.
Na boca de um homem comum, um vinho premiado tem o mesmo gosto que um vinho de mercado. E nos olhos de um público comum, um longa como o de Arthur Tuoto causa a mesma dificuldade que Monteiro Lobato teve ao ver a obra de Anita Malfati. De acordo com ele, Malfati fazia uma “arte anormal”. O que é diferente causa incômodo. O que não significa que é ruim. Mas então, significa o que?
VAMOS FALAR DE SIGNO
Falar de signo em nossa cultura latina-cristã quase sempre encontra terreno na astrologia, e pouquíssimas vezes na semiótica. Não posso culpar ninguém por isso, até porque no Brasil João Bidu e Márcia Sensitiva são mais conhecidos do que Charles Peirce e Gilles Deleuze.
Para explicar o sentido do signo que irei utilizar, devo introduzir aqui o que é a semiologia e semiótica. Semiologia, de forma bem resumida, é a ciência que busca entender e analisar significados de maneira ampla, e dela nasce a semiótica cinematográfica, que de maneira específica estuda os signos (os significados) presentes em filme (os enquadramentos, ângulos de câmera, elementos de cena, cores e a atuação, por exemplo).
Obras que inserem significados além daqueles que são vistos nas imagens, tendem a ser vistas como herméticas, misteriosas ou complicadas. Isso porque exigem a interpretação do público para que elas façam sentido. E o público nem sempre quer ter esse esforço. Às vezes não querem ter esse trabalho, e outras vezes não conseguem. Mas há casos que nos surpreendem.
Em 2023, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo ganhou o Oscar de Melhor filme. Por ser um longa comercial, para muitos, talvez, foi a primeira experiência com metalinguagem e elementos extra diegéticos. Filmes comerciais tendem a alcançar públicos variados, então é mais “fácil” pincelar a narrativa com “cores” artísticas. Porém, quando o filme já nasce com texto e atuação paridos diretamente do Monte Parnasso, o alcance é bem menor. E as críticas geralmente são mais duras, tais as que Monteiro Lobato fez na Semana de Arte de 22.
OS SIGNOS CLÁSSICOS DO CINEMA – O OLHAR, O ESPELHO E A JANELA
Foram os Sussurros que me Mataram trabalha bem com esses signos clássicos da linguagem cinematográfica. Temos o olhar, que muitas vezes é relacionado à câmera, o espelho que geralmente se relaciona com projeções do ego e o mundo interior, e a janela, que se relaciona com o outro e o mundo exterior. No filme de Tuoto, é possível “ler” que através do olhar da personagem principal, intercalamos entre os seus dilemas internos e externos.
E o olhar de Ingrid Savoy nos é mostrado logo no início. Ela surge diante da câmera (o olhar do espectador) pintando seu olho. É um olhar dramático, enviesado. Em seguida vemos o espelho (que irá aparecer continuamente no filme) e mais adiante a janela. O longa basicamente é dentro da casa de Ingrid, alternando entre os seus cômodos. Alguns dicionários de signos descrevem a casa como uma representação imagética do mundo interior dos personagens. Então, podemos entender que Foram os Sussurros que me Mataram é basicamente uma análise da psique da personagem principal.
EU NÃO ESTAVA PREPARADO
E acredito que poucos estarão. É inegável que Arthur Tuoto é bom no que faz, e o faz com genialidade. Os diálogos e a atuação me incomodaram, porque não são naturais. Nada ali é. O filme é mais um convite à reflexão e ao estudo da obra, do que um divertimento audiovisual que já estamos acostumados. Eu senti o impacto. Muito porque não sabia do que se tratava. Me pergunto se o público em geral terá acesso ao que o filme se propõe. Serão todos Monteiro Lobato criticando o inovador? Gostaria de poder responder a essa pergunta.
VALE A PENA VER O FILME?
Há critérios para se classificar um filme como experimental. O público comum talvez enquadre Foram os Sussurros que me Mataram nessa categoria. Não é um filme para qualquer um assistir. E não serão todos que compreenderão a genialidade de Tuoto. Se você é cinéfilo ou amante de filmes “difíceis”, então a experiência será orgástica. Caso contrário, você poderá ficar mais confuso do que já é no seu dia a dia.
De qualquer forma, penso que todos deveriam se permitir ao novo. Mesmo quando uma pessoa (eu) diz que o novo pode ser desafiador. E ser desafiador não é o mesmo que ruim, porque se tratando desse filme, o desafiador é a poesia. E poesia é arte. E o ofício da arte é o que faz o homem se diferenciar dos outros animais.
Somente os homens conseguem produzir e apreciar a arte. O sublime, o belo e o feio são temas que só nós podemos debater. Então, se puderem, apreciem Foram os Sussurros que me Mataram.