O novo longa do diretor Bas Devos, Here, é um convite à conexão real. Ao assistir, o espectador será convidado a concentrar sua atenção à única tela que importa, aquela em que estiver passando o filme, e submergir no mundo cinematográfico.
Stefan, um trabalhador da construção civil, vive na cidade de Bruxelas e está prestes a desfrutar de um período de férias. Antes de viajar, ele quer esvaziar sua geladeira e por isso cozinha uma sopa que distribui entre os amigos que encontra durante os preparativos da partida. Um dia, ao entrar em um restaurante chinês, ele conhece uma jovem belga-chinesa, Shuxiu, que chama sua atenção, sendo que o sentimento é recíproco. Passados alguns dias, o dois se encontram novamente por acaso e passam a desfrutar da companhia um do outro.
Os primeiros quadros do filme já deixam claro que algo diferente está à nossa frente. Filmado na proporção 5:4 (algo que remete às antigas TVs de tubo), o enquadramento, segundo o próprio Devos, é proposital, e tem o intuito de não só oferecer uma nova forma de se entender o espaço como também a forma como os personagens se encaixam nele. Uma escolha que funciona perfeitamente bem.
Se observarmos com atenção, o mesmo vale para a combinação das cenas com planos mais abertos e mais fechados. Conforme a história se desenrola, são elas que nos fazem entender mais sobre quem são os personagens, quais são os seus mundos particulares e o mundo que eles vão compartilhar entre si. No caso de Stefan, o que o conecta com os outros, em um primeiro momento, é a sopa que ele decide compartilhar. Uma escolha de roteiro simples, mas muito eficiente, afinal, que outra coisa melhor para dividir um momento, uma conversa, uma experiência do que uma refeição caseira?
Agora, o caso de Shuxiu é diferente. Quando ela entre em cena parece que há um filme dentro do filme. Ela tem seu próprio primeiro ato e só depois é que Stefan entra em cena. A questão com ela é o detalhe daquilo que normalmente nos passa despercebido, e isso é exposto na narrativa através do trabalho com musgos que ela como bióloga desenvolve.
Unindo todos estes elementos está uma produção sonora que ao contrário de muitas outras grandes realizações, se concentrou em enaltecer o detalhe do som natural, sejam eles dos grandes centros urbanos ou da chuva molhando um bosque. Uma ambientação que não só embala o filme com um toque de ASMR mas que nos leva quadro por quadro até a última cena com uma sensação de grande satisfação e relaxamento.