Heróis Nunca Morrem

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"Heróis nunca morrerm" discute as narrativas que dão sentido às próprias vidas e como elas são forjadas.

Cada história – particular ou coletiva – depende de como é contada ou imaginada por cada pessoa ou grupo de pessoas, narrativas que dão sentido a vidas que muitas vezes são marcadas por tragédias ou até mesmo um profundo vazio existencial. No longa de estreia da francesa Aude Léa Rapin, Heróis nunca morrem coloca em cena um conflito de narrativas: de um lado um jovem homem francês que busca um sentido sobrenatural para a sua vida e do outro uma história real e dolorida de pessoas marcadas pelos fantasmas de conflitos sangrentos nos Balcãs, no sudeste da europa.

A primeira cena de Heróis nunca morrem mostra o personagem Joachim (Jonathan Couzinié) contando para a câmera sobre a história que o persegue desde que um homem gritou com ele em um supermercado, o acusando de ser um assassino de guerra na Bósnia. A filmagem tem uma estética de câmera caseira e percebe-se que alguém está em diálogo com Joachim, entrando em cena a amiga Alice (Adèle Haenel) que o filma, aparentemente de forma despretensiosa. Durante essas primeiras filmagens Joachim entra em transe e escreve o nome de uma cidade no braço, lugar que Alice conhece pois já filmou na região. A partir disso o filme trabalha para colocar em prática um documentário sobre a busca de Joachim por Zoran, o homem que teria morrido no dia em que ele nasceu e que acredita ser uma espécie de reencarnação.

Heróis nunca morrem é menos um “filme de estrada” no sentido de que a trajetória se revele como uma descoberta, e mais um longa sobre construção de narrativas particulares e/ou coletivas. Em um primeiro momento parece que o que move o filme é a busca obsessiva de Joachim por um sentido na vida, mas conforme o longa se constrói o foco se move desse possível protagonista para a forma que ele é construído e de como Alice quer que isso pareça no resultado final do documentário que vislumbra algo maior.

Uma das boas sacadas de Aude Léa Rapin é plantar a dúvida sobre o que assistimos entre o resultado final de Heróis nunca morrem e o que está fora do plano, que veio antes do filme. O fato de Alice já ter filmado na região de Bratunac, de entender a língua sérvia, e conseguir arranjar situações que fiquem bem em cena conduz a dúvidas sobre a ética do documentário e dos limites entre ficção e realidade. É como se ela – e as pessoas como Joachim, a diretora de som e o câmera – estivesse arranjando um cenário que justificasse a condução dramática da exploração das pessoas que perderam seus afetos em guerra. Em dado momento, uma das entrevistadas, que já conhecia Alice, questiona o fato de ter que contar mais uma vez a sua história de perdas e acusa o cinema de “andar atrás de fantasmas”.

Essa busca por fantasmas é o que move os dois filmes; o montado e apresentado para quem assiste como Heróis nunca morrem e aquele que é um anseio de Alice e Joachim. Tanto para esses personagens que buscam respostas – na vida e na imagem – quanto para as sobreviventes de guerra, são as narrativas que dão sentido às próprias vidas e é isso que é desenvolvido no filme. Pessoas espectadoras e personagens em busca de qualquer apaziguamento por meio de uma história, não à toa uma das cenas mais simbólicas do filme envolve uma pessoa cega em um momento de redenção. Talvez o cinema também seja sobre isso: narrativas possíveis para apaziguar grandes perdas históricas.

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