filme visto durante a 9ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba
Antes de março de 2020 a noção de confinamento era muito diferente de hoje, há mais de dez meses da pandemia de COVID-19 pelo mundo. A situação de pessoa confinada também depende das condições em que se vive; classe, raça e gênero são limitantes para cada pessoa e/ou família. O longa Los Lobos, do diretor mexicano Samuel Kishi Leopo, foi filmado antes da pandemia e se torna uma experiência totalmente diferente ao retratar uma dupla de irmãos crianças, imigrantes mexicanos, chegando na cidade de Albuquerque (estado do Novo México, nos Estados Unidos) e ficando confinados dentro de um pequeno apartamento, em uma vizinhança também de imigrantes, enquanto a mãe sai para trabalhar. Em vez de um filme sobre impossibilidades de crianças em outro país, é mais uma experiência de empatia e coletividade que acontecem por outras vias e pequenas ações.
O filme começa com Lucía (Martha Reyes Arias) indo para os Estados Unidos com os dois filhos pequenos Max e Leo (os ótimos Maximiliano e Leonardo Nájar Márquez), a paisagem do ônibus vai mudando e os meninos relatam para a mãe o quê estão vendo, em uma espécie de brincadeira entre eles. Essas primeiras cenas em movimento, com o vidro do ônibus atravessado na visão, funcionam como uma introdução, não apenas de como as crianças enxergam o mundo, mas também como funciona o processo de fabulação estimulado pela mãe e executado com maestria pelos meninos no decorrer do filme. Ao chegar na cidade a família sai em busca de um lugar para morar e de emprego para a mãe, situações que marcam o ritmo que a direção pretende para Los Lobos. Aqui se prioriza uma busca de empatia e afeto em relação às personagens e o entorno delas, não à toa a perspectiva do olhar segue a partir das crianças.
Apesar do costume com as narrativas de exploração em relação à imigração, Samuel Kishi conduz essas buscas e encontros de forma a equilibrar as situações, sem muitos juízos de valor para retratar as condições, até mesmo quando pretende construir críticas. Depois de a família se estabelecer, o filme até acena para situações mais corriqueiras como a da imigrante adulta em empregos precarizados, hostis à condição de mãe solteira, e o cansaço da mulher diante dessa condição de trabalhadora contrastando com o tédio dos meninos que querem sair do pequeno apartamento. Porém, prioriza o olhar das crianças e isso é que traz singularidade para o longa. Os pequenos conflitos entre os irmãos e os momentos de brincadeira e fabulação – narrados com apoio de animação e a criatividade deles com qualquer objeto à disposição – são os dispositivos que constroem a narrativa dessa família de pequenos lobos e loba numa situação de sobrevivência na selva do capitalismo.
Albuquerque é uma das cidades mais populosas do estado do Novo México (ironicamente nomeado) e mesmo que o foco seja o confinamento dos irmãos no espaço do apartamento e arredores, quando a câmera passeia pela vizinhança mostra a situação não apenas de imigrantes mas também de estadunidenses vivendo de forma precarizada, desmontando qualquer ideia de sonho americano. Los Lobos é eficaz em tratar dos olhares das crianças – os pequenos protagonistas e também outras crianças que vivem na vizinhança e se relacionam com eles – pois conta com direção e trilha sonora por dois irmãos que passaram por essa situação, talvez por isso o compositor Kenji Kishi Leopo carrega a mão nas cenas em que se quer tirar emoções de quem assiste. Porém o longa funciona para que as narrativas de imigração sejam também possíveis de fabulação e possibilidades, a invenção como arma diante da dura realidade.