Há alguma máxima popular sobre o passado nunca ficar realmente sedimentado, mas ser algo que retorna de tempos em tempos para nos lembrar de como chegamos onde estamos atualmente. Em Manchester à Beira-Mar, do diretor estadunidense Kenneth Lonergan, a ruptura de um homem comum, diante de erros corriqueiros da vida, é elevada à máxima potência a ponto do protagonista ficar definido para sempre pela angústia dos erros fatais do passado.
Lee Chandler (Casey Affleck) é um homem sem expressão, comum e frio. Como zelador de edifícios, se mantém ocupado boa parte do tempo e não demonstra ter nenhum interesse além da ocupação diária. Os clientes reclamam de seus modos, da grosseria e da frieza com que trata as pessoas apesar do trabalho bem feito. Ao receber uma ligação, dizendo que seu irmão sofreu um ataque do coração, Lee parte em rumo à Manchester (a americana, em New Hampshire) e a partir desse momento seu passado irá atormentar cada passo dado de volta à cidade natal.
Esse passado é desencadeado com a perda do irmão e essa reconstrução dá ritmo ao roteiro de Manchester à Beira-Mar. O personagem de Casey Affleck vai dando respostas para suas atitudes vazias e frias. Não que ele esteja reprimindo sentimentos, mas é mais sobre como sofreu mudanças tão extremas que se tornou impossível apenas deixar as coisas fluírem. Ele prefere se punir diante de uma vida miserável e sem sentimentos do que acreditar que pode encarar, e até mesmo superar, o passado.
Manchester à Beira-Mar é um filme bastante masculino, as mulheres aqui estão sempre na terra firme enquanto que estar à beira-mar distrai os homens. Na cena inicial, os dois irmãos e o sobrinho pescam juntos e se divertem, o longa é basicamente a exploração dessa relação. Não são mostrados como espécie de ídolos ou super-homens (em um sentido mais filosófico), mas eles aprendem de várias formas a se relacionarem entre si e inclusive se protegerem. Não é uma relação de um ponto de vista machista, de apenas uma irmandade masculina, mas de uma forma de encarar a vida de forma autônoma e humana, com acertos mas também com muitas falhas.
Há vários elementos de cena que se relacionam bem com o roteiro de Kenneth Lonergan. O próprio clima da região sugere um condicionamento, dando ainda mais força para a situação dos personagens e seus comportamentos. O frio extremo – os corpos enrijecidos – é como uma metáfora para a vida de Lee Chandler. Mas, apesar da construção tensa, da intenção dramática, Manchester à Beira-Mar tem vários alívios cômicos de diálogos, inclusive tornando-os mais corriqueiros ao espectador.
Apesar da boa performance de Casey Affleck em Manchester à Beira-Mar, é impossível não adentrar no assunto da impunidade, da forma que Hollywood encobre os casos de violência sexual e machismo no seu meio. É perturbador pensar que o protagonista de um filme como esse, com tantas temáticas e camadas sensíveis esteja respondendo por acusações sérias de abuso e assédio. Esse tipo de situação deve ser mencionado, mesmo que tentemos separar o trabalho da vida pessoal, pois é praticamente impossível nos desfazermos de nossas experiências quando assistimos às histórias propostas em tela.
Manchester à Beira-Mar é um filme que se constrói com a premissa de nos causar empatia à humanidade dos personagens. Pessoas comuns imersas em seus erros e acertos, em busca de retratações, nem que sejam as que elas mesmas se impõem. O longa é mais sobre pessoas e suas trajetórias humanas ao longo da vida, através de um roteiro que vai desvendando as feridas de cada um, muito próximo das formas que lidamos com as nossas próprias.