Nardjes A.

Onde assistir
“Nardjes A.” mostra os primeiros levantes na Argélia em 2019 e conversa de perto com a busca do diretor pela história da sua família paterna em “Marinheiro das Montanhas”.

O diretor brasileiro Karim Aïnouz, em 2019, estava na Argélia filmando o que se tornou o seu filme Marinheiro das Montanhas e, em duas semanas, começaram algumas grandes manifestações pelas ruas do país, principalmente na capital Argel. O realizador estava em busca da história da sua família na Argélia, nas resistências dos anos de 1950, e acabou encontrando uma nova revolução acontecendo nas ruas, também contra um governo repressor. Decidido a registrar o levante, o diretor filma a jovem Nardjes, atriz e filha de militantes argelinos, durante um dia de manifestação.

Assisti Nardjes A. na primeira exibição do filme no Brasil, em 2020, no 9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. Na época sabíamos pouco sobre o “outro filme” do diretor, agora, lançado junto com esse. Depois de A Vida Invisível comecei a prestar mais atenção na forma como Aïnouz utiliza as personagens mulheres em cena, infelizmente mais como desculpa de enredo e quase nunca com agência, apenas um falso protagonismo. Com Nardjes a exploração nem chega a acontecer, ela é tratada mais como uma figura que flana pela manifestação, parecendo pouco simpática. As melhores cenas são ela conversando com os pais, mostrando como a dificuldade de ir e vir no país já estava acontecendo muito antes da pandemia. Depois de assistir Marinheiro das Montanhas, essas camadas de conversas ganham outros significados e tornam a exibição casada muito mais eficiente para ambos os filmes.

Filmado com um celular com câmera de alta resolução, as cenas da manifestação são potentes, assim como a montagem que introduz o longa, colocando lado a lado imagens dos dois períodos revolucionários da história do país. Aïnouz se demora sobre algumas pessoas da manifestação, mulheres de várias idades usando hijabs gritam palavras de ordem ou desabafam incansavelmente sobre o governo. Homens jovens, a maioria nas ruas, entoam hinos como se estivessem em estádios. Tudo lembra bastante as nossas manifestações, quando elas ainda pareciam uma boa ideia. Claro, fazer desses registros um filme tem muitas questões positivas, as longas cenas andando pela capital do país nos lembram que, com o cansaço diante de um Estado que massacra, só resta o grito. Mas também nos lembram os períodos repressivos que seguem as manifestações.

Nardjes A. é um filme que funciona muito bem junto com o projeto de Marinheiro das Montanhas, porém, sozinho na filmografia é apenas um registro de exploração sem a boa carga política que o outro filme explora e anexa a este. Talvez, seja justamente pelo fato de que qualquer situação que vivemos no hoje é resultado de acontecimentos históricos que afetam a vida privada das pessoas que formam o coletivo, a história de Nardjes não funciona sem a história da família Aïnouz.

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