Nickel Boys

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“Nickel Boys”: Cicatrizes invisíveis

Filmes sobre injustiça racial frequentemente enfrentam o desafio de equilibrar denúncia e narrativa. Nickel Boys, baseado no romance de Colson Whitehead, adota uma abordagem implacável, sem buscar alívio ou catarse para o espectador. Ao retratar o horror vivido por jovens negros na Nickel Academy, inspirada na real e infame Dozier School for Boys, o filme não apenas expõe as atrocidades do passado, mas também sugere como seus ecos ainda reverberam hoje.

A trama segue Elwood (Ethan Herisse), um jovem promissor que, por um acaso cruel do destino, acaba encarcerado em um reformatório onde a segregação não apenas persiste, mas se traduz em violência brutal. Seu caminho se cruza com o de Turner (Brandon Wilson), um garoto mais cético e pragmático. Enquanto Elwood tenta se apegar às ideias de Martin Luther King e manter sua fé na justiça, Turner compreende que, naquele ambiente, sobreviver significa jogar pelas regras impostas pelos opressores. A relação entre os dois é o fio condutor do filme, oscilando entre esperança e desilusão.

A escolha estética de RaMell Ross para contar essa história, porém, é controversa. O diretor opta por uma abordagem fragmentada, alternando perspectivas e saltos temporais que, ao invés de aprofundar a experiência, acabam criando uma barreira entre o espectador e os personagens. Em alguns momentos, a estilização excessiva distrai da brutalidade da narrativa, tornando-se um artifício que enfraquece o impacto emocional.

Ainda assim, a força do material original se mantém. O filme não se permite suavizar os horrores da Nickel Academy, desde os espancamentos até as mortes misteriosas, e mostra como o sistema não oferecia uma saída para aqueles que caíam em suas garras. Em certo sentido, Nickel Boys dialoga com obras como As Irmãs de Maria Madalena, que retrata o abuso em instituições religiosas irlandesas. Ambos os filmes revelam a facilidade com que sociedades inteiras consentem silenciosamente com a opressão dos mais vulneráveis.

Ethan Herisse e Brandon Wilson entregam performances marcantes. Herisse carrega em seu olhar a frustração de quem ainda acredita na justiça, mas sente seu mundo desmoronar. Já Wilson dá a Turner uma sagacidade amarga, representando aqueles que aprendem a sobreviver através da resignação. Hamish Linklater, como o cruel diretor Spencer, torna-se um vilão assustador justamente por sua banalidade.

A montagem fragmentada e os artifícios visuais podem afastar parte do público, mas o cerne de Nickel Boys permanece inabalável. É um filme que recusa qualquer conforto, forçando-nos a encarar uma verdade incômoda: as cicatrizes do passado não desapareceram, apenas mudaram de forma.

Mesmo com algumas escolhas que diluem sua potência, Nickel Boys cumpre sua missão ao contar uma história que precisa ser lembrada. Em meio a tantas narrativas sobre o racismo nos Estados Unidos, ele se destaca por sua dureza, sem concessões ou promessas vazias de redenção. É um filme que não busca aliviar a dor — apenas escancará-la.

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