Depois do bem sucedido Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância), Alejandro González Iñárritu apresenta O Regresso, filme que deve angariar algumas estatuetas do Oscar, uma especialmente para Leonardo Di Caprio. Com um longa que prioriza o bucólico, uma fotografia arrebatadora e a boa direção de atores – os coadjuvantes dessa natureza implacável – ele não destoa em nada com a filmografia do diretor mexicano que apenas demonstra evolução no ofício.
Baseado nos relatos do verdadeiro Hugh Glass, que já serviu de inspiração para a literatura e o cinema, O Regresso está mais ligado à história tratada por Michael Punke, em romance de 2002, mas também tem seus méritos próprios com adaptações exclusivas para esse longa. O filme trata da jornada de um homem que, acompanhando uma expedição em busca de peles de animais, é atacado por uma mãe ursa quando chega perto de seus filhotes. O feroz ataque do animal é uma das cenas mais poderosas do longa, causando uma grande tensão quando visto de perto e com tamanha realidade. Abandonado pelos companheiros de expedição, primeiro pelas dificuldades de se andar com um doente pela neve e depois pela ganância do antagonista Fitzgerald, Glass vivencia uma odisseia por desertos congelados, vegetação espessa e hostilidade de outras expedições e nativos.
São as relações humanas que carregam o roteiro de O Regresso, sempre se contrapondo com a natureza que apenas mantém a sua rotina. São os homens que adentram o selvagem, matam os animais, usam suas peles e lucram muito com isso, numa relação de mão única. Já os nativos lutam pelos seus próprios, logo na primeira cena – um plano sequência embalado em uma trilha sonora imponente – já deixa claro a situação dos indígenas no filme e nesse lugar. As leis dos homens são burladas e as promessas são quebradas em nome da ganância travestida de necessidade e sobrevivência.
A relação de Hugh Glass com os nativos serve para que a vingança sugerida na trama seja ainda mais profunda. Em um cenário onírico o espectador conhece o passado recente de Glass e as memórias que o apoiam a permanecer vivo. O arco dramático de O Regresso se sustenta na relação criada entre Glass e seu filho mestiço Hawk ou ao menos o filme tenta sugerir isso. É mais presente a relação do protagonista com a mãe do menino e sua filosofia encorajadora do que os laços paternais. De qualquer forma, a obstinação e toda a trajetória empreendida pelo personagem que transmitem justamente as palavras de um nativo Pawnee: “A vingança está nas mãos de Deus, não nas minhas”. Justamente, apesar de todas as adversidades, a natureza decide se Glass continua em frente ou não.
Vários elementos técnicos escolhidos por Iñárritu e sua equipe comprovam essa relação de comando da natureza. A opção de usar luz natural, por exemplo, fez com que o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki filmasse durante poucas horas do dia, e O Regresso comprova toda essa imponência que ela propõe. As peles que protegem do frio, em especial a que Glass carrega durante sua trajetória, são do mesmo urso que quase tirou a sua vida. Como dito antes, é uma relação de troca, diferente das relações dos homens.
Os destaques na atuação – além do protagonista que precisou de uma série de preparos, incluindo quebrar sua dieta vegetariana – vão para um implacável Tom Hardy e o jovem Will Poulter como Bridger, sendo o jovem ainda inocente e não corrompido. Vale destacar muito a trilha sonora de Ryuichi Sakamoto, Carsten Nikolai e colaboradores que funciona de forma orquestrada diante da melancolia dos cenários.
O Regresso tem elementos de conflitos do western, através da vingança levada até as últimas consequências ou até mesmo a ideia do revenant, daquele que retorna da morte para resolver pendências. Passeia também pelo onírico que concede características menos primatas para alguns desses homens. Por último, há a crítica certeira, tão cara pelo diretor mexicano, que faz dos elementos nativos a prova de que toda essa movimentação no começo do século XIX serviu apenas para exterminar as tribos que ali viviam, mostrando o começo de uma falência dessa sociedade colonizadora e exploradora.
A primeira empreitada épica de Alejandro González Iñárritu, para além de toda a pompa e grandiosidade da produção, ainda comprova algumas das boas qualidades já mostradas pelo diretor ainda em Amores Brutos (2000). O ser humano, independente da época e da situação, esgota todas as suas opções e vai até o limite para sobreviver ou defender os seus pares.