Boa parte dos rituais de passagem, que garantem a masculinidade de um garoto para um homem adulto, são homossociais, ambíguos e acompanhados por algum tipo de violência. Com essa premissa em mãos, o longa Os Iniciados, realizado por John Trengove e baseado no romance de Thando Mgqolozana, trata da relação de dois homens em um ritual do grupo étnico sul-africano xhosa. Nesse rito, os garotos passam pelo Ulwaluko, que é uma circuncisão acompanhada de uma série de atividades que acontece durante alguns dias nas montanhas. O filme causou polêmica na África do Sul ao expor a questão da homossexualidade em um ritual que reforça um estereótipo masculino não apenas viril, mas também que impõe a heteronormatividade.
Xolani (Nakhane Touré) e Vija (Bongile Mantsai) se conhecem desde criança e foram iniciados juntos. Eles voltam todo ano para as montanhas na orientação de novos iniciados, mas na verdade usam isso como desculpa para que possam se encontrar e passar um tempo juntos. Enquanto Xolani é solitário e mais consciente de sua sexualidade, Vija não consegue se desprender de seu papel social de homem de família, viril e violento. É um adolescente, Kwanda (Niza Jay), que irá colocar essa relação em cheque, questionando as escolhas de continuar seguindo uma tradição que serve apenas para reforçar estereótipos e boicotar desejos.
O longa abre com uma cena de Xolani trabalhando em uma fábrica e isso, junto com alguns elementos como os carros e as roupas de Kwanda, é o que dá o tom de contemporâneo ao longa, pois boa parte do filme se passa nas montanhas e imerso pelo ritual secular. São importantes as cenas em que o filme, quase didaticamente, coloca em tela o Ulwaluko sem precisar mostrar o ato em si. A dor do corte e o processo de cicatrização se misturam com as relações entre esses homens nas montanhas, tanto os jovens que chegam quanto dos homens já marcados pelo tempo. A tradição e a proeminência do hoje se chocam: afinal, por que manter um ritual que não condiz com a realidade, não apenas hoje mas talvez desde sempre?
O roteiro, escrito em três mãos pelo realizador, o autor do romance e Malusi Bengu, consegue oferecer não um olhar estrangeiro, mas sim um de dentro porém opositivo e questionador em relação aos rituais. Mesmo que uma visão antropológica ofereça uma visão mais passiva e respeitosa dos rituais de outro povo, aqui são seus próprios membros olhando de forma crítica para a reprodução dessas ações, talvez por isso causando tanta polêmica.
Os Iniciados é um dos semifinalistas para o Oscar de 2018 na categoria de filme estrangeiro e é muito difícil não compará-lo com filmes como Moonlight: Sob a Luz do Luar e até mesmo O Segredo de Brokeback Mountain. Porém, é um filme muito mais ousado e questionador, já que não coloca apenas as categorias de homem gay, negro e viril em foco, mas também discute relações antropológicas da sexualidade, dando voz não mais para o intelectual branco que chega em uma tribo e reproduz o que acha que vê, mas sim partindo das vozes daqueles que estão dentro das tradições.