Pequenas Coisas Como Estas

Onde assistir
O peso do silêncio em "Pequenas Coisas Como Estas"

Há algo profundamente doloroso em Pequenas Coisas Como Estas, um filme que transborda tristeza e indignação ao abordar um dos capítulos mais sombrios da história irlandesa. Adaptado do livro de Claire Keegan, o longa nos leva a 1985, quando Bill Furlong, um vendedor de carvão interpretado com maestria por Cillian Murphy, se depara com a brutal realidade das Lavanderias Madalena. Ao encontrar uma mulher aprisionada nos galpões da instituição comandada pela Igreja, ele se vê forçado a confrontar sua própria consciência, sua história e o silêncio cúmplice da sociedade ao seu redor.

A performance de Murphy é essencial para que o filme funcione. Ele transmite, com olhares vazios e gestos contidos, o peso de alguém que passou a vida tentando se manter à margem dos horrores do mundo, mas que, inevitavelmente, se vê sugado por eles. Seu Bill é um homem comum, preso entre o medo e a compaixão, cuja bondade silenciosa o coloca diante de um dilema que vai muito além de si mesmo.

Diferente de As Irmãs de Maria Madalena, que expunha as atrocidades dessas instituições de maneira explícita, Pequenas Coisas Como Estas adota um tom mais contido, o que não significa que seja menos impactante. Pelo contrário, a direção de Tim Mielants aposta na sutileza para construir uma atmosfera opressiva, na qual o horror se revela nos pequenos gestos, nos olhares desviados e no peso de uma sociedade que prefere fingir que nada acontece.

A conexão entre Bill e o passado é um dos aspectos mais marcantes do filme. Enquanto lida com suas próprias memórias de infância – um período marcado pela pobreza e pela ausência de um pai –, ele percebe que as mulheres presas na lavanderia poderiam facilmente ser sua mãe, caso o destino tivesse sido um pouco menos generoso com ela. Essa percepção o leva a questionar até que ponto ele pode continuar ignorando aquilo que está diante de seus olhos.

O roteiro traça paralelos com a literatura de Charles Dickens, especialmente em sua visão crítica sobre desigualdade e opressão. No entanto, enquanto Dickens costumava oferecer alguma centelha de otimismo em suas histórias, Pequenas Coisas Como Estas é um filme muito mais sombrio, sem espaço para soluções fáceis ou atos heroicos grandiosos. Aqui, qualquer resistência ao sistema é feita com medo e sob a ameaça de represálias – seja contra Bill ou sua família.

O desfecho do filme é ambíguo e deixa o espectador com um incômodo profundo. O que Bill faz – ou não faz – pode ser interpretado de diferentes formas, mas a sensação de impotência e injustiça permanece. O impacto final é tão forte que, quando a tela escurece, fica a impressão de que algo ainda está por acontecer, de que a história não deveria terminar ali.

Com uma narrativa densa e uma atuação impressionante de Cillian Murphy, Pequenas Coisas Como Estas é um filme que não se esquece facilmente. Ele joga luz sobre uma ferida histórica que ainda dói na Irlanda e questiona a responsabilidade individual em tempos de opressão. No fim, a pergunta que fica não é apenas sobre o que aconteceu com aquelas mulheres, mas sobre o que acontece sempre que escolhemos o silêncio em vez da ação.

Você também pode gostar...