As Confissões

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Servillo segura muito bem o protagonismo e consegue tirar o foco presunçoso de "As Confissões"

Sentimos na pele, no bolso e no cotidiano as decisões políticas de homens e mulheres vestidos em trajes sociais, hospedados em hotéis caros de países na Europa e Estados Unidos. Estas poucas pessoas, definidas como lideres de grupos, denominados com letras e números que classificam as grandes nações mundiais, tomam decisões em jantares, munidos de gráficos e cálculos que boa parte de nós não compreende. A dimensão que temos como cidadãos comuns e trabalhadores é muito pequena sobre planejamentos que podem afetar a nossa e outras gerações no futuro. Em As Confissões, do italiano Roberto Andò, essa lógica indecifrável de um grupo de ministros de economia mundial fica abalada quando um monge atravessa seu caminho e, simbolicamente, pode ter o poder de entregar suas ações.

O excelente Toni Servillo (A Grande Beleza) empresta seu olhar apático ao monge Roberto Salus, que por algum motivo estranho está no mesmo hotel em que o grupo de economistas irá dar rumo ao atual cenário caótico da economia mundial. Entre os hóspedes estão também a escritora Claire Seth (Connie Nielsen) e o músico Michael Wintzl (Johan Heldenbergh), formando um pequeno grupo de testemunhas com os empregados do lugar. No mesmo dia em que o grupo chega ao hotel, causando as primeiras tensões, o matemático e também membro do G8, Daniel Roché (Daniel Auteuil) resolve se confessar com o monge e comete suicídio horas depois. O grupo não se preocupa com a morte do membro em si, mas sim com os possíveis segredos que ele possa ter contado ao monge, tais como as jogadas que eles aprovariam na reunião.

Somando o ocorrido com o silêncio sepulcral do monge, o thriller tenta ganhar corpo em As Confissões, mas acaba sendo apenas como um filme com diálogos longos e tentativas de tiradas de humor negro. Por um lado há a força da religião, Salus como monge fez voto de silêncio e trairia uma vida inteira caso revelasse alguma confissão. Por outro, tem-se um grupo de pessoas moldadas pelas mentiras e maquiamento de estatísticas e decisões, temendo ter suas jogadas reveladas. O silêncio do monge gera o clima de suspense escolhido por Roberto Andò, fazendo o espectador sempre aguardar alguma manobra de algum dos lados. O clima é montado através das meias-luzes do hotel e as conversas frente a frente, com a câmera sempre prestando atenção nas tensões faciais de cada personagem.

Um dos aspectos interessantes do roteiro de As Confissões é que entre o grupo de ministros, nenhum é nominado. Todos representam seus países e a economia global, em uma ideia de que eles são identificados através de seu trabalho e nunca por si próprios. Quando um a um começa a vacilar, mostrando suas peculiaridades e idiossincrasias, vão deixando seus personagens sérios desaparecerem, revelando suas facetas humanas e por isso mesmo, suas fraquezas.

Roberto Andò e o roteirista Angelo Pasquini até tentam dar um tom policianesco – algo meio conspiratório a la Dan Brown – mas se perdem em não desenvolver melhor as ações impetuosas e se ater em ser demasiado inteligente nos diálogos. Não que não seja importante enfatizar a economia global como joguete de uma meia dúzia de pessoas tão humanas quanto nós todos, mas os diálogos são longos e pouco cativantes, além da luz baixa que funciona como sonífero.

Assim como em A Grande Beleza, Servillo segura muito bem o protagonismo, desfilando pelos cenários com sua roupagem de monge – com toda a pompa católica e romana possível – e consegue tirar o foco presunçoso de As Confissões, fazendo o espectador refletir sobre o papel da Igreja em todos os séculos de História. Talvez resida nesse aspecto a centelha de criatividade que o roteiro tentou propor, principalmente para percebermos a fragilidade de decisões tão grandes a nível mundial, tomadas por pessoas tão comuns como nós mesmos.

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