Camille

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"Camille" é um retrato nacionalista e colonizado de uma jovem fotojornalista idealista.

Cinebiografia é um gênero complexo pois trata de vidas que muitas vezes são ficcionalizadas a partir de relatos e visões contrastantes de pessoas que conviveram em esferas específicas com quem protagoniza os filmes. A situação se complica ainda mais quando a pessoa retratada pode movimentar questões muito delicadas como geopolítica, colonialidade e intervenções políticas em situação de guerra. Esse é o caso de Camille, filme do francês Boris Lojkine, que pretende traçar os últimos meses de vida da fotojornalista Camille Lapange, morta em 2014 em uma emboscada nos conflitos da República Centro-Africana.

Lapange tinha vinte e seis anos e sua carreira foi relativamente curta, começou cobrindo a chamada primavera árabe em 2010 e em três anos passou pelo Sudão e, por fim, a República Centro-Africana onde, segundo o filme, criou laços afetivos com a situação dos conflitos anti-Balaka e os Séléka. O filme trata justamente do momento em que Camille sai da França e vai à África aparentemente em busca de aventura. Esse é um dos problemas do filme, dando a impressão de que a jovem fotojornalista apenas quer sair de sua zona de conforto e “fazer algo pelo mundo”, uma tática antiga de pessoas da europa em busca da salvação de almas.

O que era para ser um retrato de uma jovem fotógrafa idealista se torna uma narrativa colonizadora e até mesmo vitimizadora de uma personagem que talvez nem quisesse estar em frente às câmeras. Camille caminha desde o início uma versão nacionalista dos últimos dias de uma fotojornalista. Não há interesse em mostrar Camille para além de um retrato idealizado ou ainda pior, apresenta ela apenas como uma jovem de classe média francesa querendo mudar o mundo sem ter uma noção de seu próprio lugar no jogo de conflitos geopolíticos. Em vários momentos a protagonista diz que é uma situação tensa estar em África sendo branca e ela até se comove quando colocada de frente sobre sua condição de francesa e colonizadora, porém, insiste em explorar a imagem em nome de um jornalismo vazio, pelo menos na forma que se apresenta no filme.

Boris Lojkine teve a oportunidade de fazer de Camille um filme que não olha apenas para um país “violento” – termo que usa no material de divulgação do filme – mas usa a desculpa de contar a morte de uma jovem. Mesmo assim, o diretor podia ter tido um olhar críticosobre as heranças genocidas que a própria França deixou em um país que tem um dos IDHs mais baixos do mundo e a maioria dos habitantes vive abaixo da linha da pobreza a República Centro-Africana teve a “independência” da França apenas na década de 1960 e a língua oficial continua sendo a do colonizador, que ainda mantém os olhos muito atentos à exploração.

A única qualidade de Camille está em fazer um retrato muito expressivo de como o cinema pode ser explorador travestido de causa humanitária. Ou pior, usar a imagem de uma mulher para uma causa intervencionista e nacionalista. Cabe a quem assiste engolir a humanidade de câmeras que procuram o melhor ângulo de corpos negros imersos em sangue ou brigando entre si.

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