Meu Anjo

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Abandono parental e maternidade tóxicas são eixos centrais no drama “Meu Anjo”, com Marion Cotillard

O abandono parental – uma enorme porcentagem de crianças nascidas no Brasil, por exemplo, não tem o nome do pai na certidão – assim como a maternidade tóxica são temas espinhosos, difíceis de serem manejados no cinema. Apesar de que no cinema estadunidense essa seja uma abordagem muito recorrente desde os anos de 1990, com Larry Clark e Harmony Korine, por exemplo, na França ainda parece ser incomum. Em Meu Anjo, da diretora francesa Vanessa Filho, o filme expõe a infância de Elli, uma criança entre adultos solitários, alcoólatras e em constante situação de risco.

Meu Anjo parte do ponto de vista de Elli (Ayline Etaix), que tem apenas oito anos, mas sabe que deve dar um pouco de whisky aos ursos de pelúcia, não muito para eles não desmaiarem. A menina mal se entende como mulher mas já viu a mãe transando com um outro homem durante o próprio baile de casamento, saindo com um desconhecido numa boate que a criança foi junto, assim como sabe que suas pequenas mãos podem acariciar o rosto materno e ajudar a melhorar as ressacas diárias. A construção da protagonista não deixa nada a dever com os filmes do gênero feitos desde os anos de 1970 e uma leva de denúncias de famílias que passavam longe dos sorrisos amarelados de comerciais de margarina. Mas é justamente nesse ponto, de querer tratar de temas tão pesados, e duros de se colocar em tela, que o filme se perde. Ao repetir fórmulas já executadas e repetidas de tempos em tempos, sem oferecer grandes construções, Meu Anjo anda em círculos, valendo pelo menos a bela cinematografia e um cuidado (às vezes exagerado) de mostrar a delicadeza efêmera do corpo infantil de Elli.

É particularmente interessante a primeira parte do longa em que ficamos conscientes de quem é Marlène e de como ela não vai funcionar com Elli, que sempre está com os olhos arregalados, constantemente observando a mãe. Quando a mãe desaparece, na segunda parte do filme, percebemos que à criança só cabe repetir os comportamentos adultos que conhece. Com o desenvolvimento do filme, a repetição dessas ações torna tudo chato e desnecessário. Há um esforço reconhecível em Meu Anjo a respeito de tratar das ligações de mãe e filha para além dos contextos do serviço social, do estatuto da criança e do adolescente e do que poderia se considerar abandono e negligência. Mas o filme acaba indo pelo lado contrário, trazendo uma mãe que nos agoniza com sua afetação repleta de maneirismos. A beleza do filme reside em observarmos atentamente a compreensão de Elli em ser uma criança abandonada num mundo onde quem a protegeria está ausente.

O filme é quase uma caricatura de Projeto Flórida, de Sean Baker, uma versão na Riviera Francesa do drama americano de mãe e filha vivendo sob um triste contexto de luta de classes, onde o corpo das mulheres é um dos produtos mais baratos do mercado. A questão é que em Meu Anjo apenas sabemos que a mãe Marlène (Marion Cotillard) é alcoólatra e promíscua, uma personagem vazia para uma atriz que já encarou papéis tão emblemáticos, não nos relacionamos com ela porque não interessa ao roteiro que isso aconteça. A perspectiva de Elli (a ótima Ayline Aksoy-Etaix) rende ótimas, e tensas cenas, de solidão infantil e desespero, mas nunca saindo das bordas. O filme expõe demais as personagens sem nunca oferecer nada, nem a espiral decadente muito menos a redenção.

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