Nahid – Amor e Liberdade

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Os pontos culturais divergentes estão presentes em "Nahid" e inclusive são chaves para a narrativa

Boa parte dos direitos básicos conquistados pelas mulheres como cidadãs foram apenas adquiridos depois da metade do século XX. O divórcio é um deles. No Brasil, por exemplo, esse direito entrou em vigor há menos de quarenta anos. Não que homens, desde sempre, não tenham a liberdade de sair de um matrimônio – acompanhado do conjunto de papéis que são anexados ao de marido, como pai, por exemplo – mas à mulher sempre coube aceitar as regras impostas, obviamente que nem sempre de forma passiva ou calada. Em “Nahid – Amor e Liberdade”, primeiro longa da iraniana Ada Panahandeh, é mostrado um excerto da vida da protagonista homônima que, após o divórcio, se vê perdida em busca de sua liberdade de morar apenas com o filho, trabalhar e ter a chance de se apaixonar de novo e ser feliz.

Apesar de Nahid (Sareh Bayat) estar inserida em um contexto específico, dentro de uma sociedade machista (qual não é?) e regida diante de leis baseadas na religião, a situação da personagem é convergente com uma grande maioria de mulheres e nas mais variadas culturas pelo mundo. O preconceito e descaso em relação a uma mulher que escolhe ser independente – incluindo criar um filho e ser dona de sua própria sexualidade e relacionamentos – é situação corriqueira na sociedade ocidental. O trabalho de Ada Panahandeh quer justamente aproximar essa realidade da protagonista com qualquer tipo de olhar ocidental contemporâneo, e faz isso muito bem.

O fato de que existem milhões de mulheres que sofrem violência, perseguições e ameaças de ex-companheiros não é nenhuma novidade. Em “Nahid” há um cuidado em retratar o cotidiano da personagem, exercendo papéis múltiplos desde que se separou do marido – ex-usuário de drogas, viciado em apostas e jogos – e assim também deixando caminho para que terceiros critiquem e inclusive possam se intrometer em suas ações. Ela cuida do filho pré-adolescente, trabalha como digitadora, dá satisfações à família, aos vizinhos e tenta ser feliz com o homem que se apaixonou. A jovem mulher, que se casou muito cedo, demonstra tentar viver o presente apostando no improviso do cotidiano, entre as tradições – o lenço sempre impecável cobrindo seus cabelos e ornando seu rosto – e a busca pela abertura de novos tempos e novas formas de ser mulher no Irã contemporâneo.

O divórcio como ponto de conflito nas relações das culturas do Oriente Médio é um tópico bastante corriqueiro no cinema atual. “A Separação”, vencedor do Oscar de 2011, de Asghar Farahdi já tocava nas dificuldades para a mulher obter um divórcio no Irã. Mas é no israelense “O Julgamento de Viviane Amsalem” que os desgastes sofridos pela mulher na situação de separação são mostrados e se aproximam de Nahid, expondo de forma crua o domínio que o marido tem sobre a mulher, mesmo que ela não tenha mais interesse em manter o relacionamento.

Os pontos culturais divergentes estão presentes em “Nahid” e inclusive são chaves para a narrativa. Ada Panahandeh vai desmontando na tela a lógica do ocidente olhando para o oriente. “iPhones”, computadores, vestuário e vários elementos ocidentais batem de frente com cenas de mulheres com rostos cobertos, ambientes dominados por homens e outras situações de vulnerabilidade, principalmente do sexo feminino. As câmeras que filmam os ambientes públicos da cidade costeira funcionam como uma metalinguagem dentro da ficção criada, entregando o cotidiano dos habitantes da cidade e a vida de pessoas que são constantemente controladas pela religião e as rígidas regras sociais. Percebe-se um embate entre a tradição e a forma que o contemporâneo exige que nada mais caiba dentro de regras, sendo imerso por práticas cotidianas ocidentais, o que por si só já causa bastante conflito.

Ao mesmo tempo que “Nahid” é colocado em um hall de filmes orientais – como não mencionar as qualidades da diretora em mostrar belos planos abertos, deixando claro que frequentou a escola do cinema iraniano? – ele é ainda mais ousado em mostrar a divergência da ideia que se tem do Irã, um país que passou por tantas transformações nas últimas décadas. A situação da jovem Nahid não é exclusiva das mulheres que vivem sob regimes explicitamente misóginos. As mulheres não são donas de seus próprios corpos – e muito menos de seus destinos – nem no Oriente Médio, nem na Europa, muito menos em nossas vizinhanças ou dentro de nossas casas. A política, a religião e a família opinam e decidem sobre o que é certo ou errado e Nahid tem a beleza e as dores de ser uma personagem universal, cuja história esperamos que não termine diante de um “não”.

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