O Valor de um Homem

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São tempos difíceis em boa parte do mundo, e em períodos de crise nada tem lugar seguro ou certo dentro de uma lógica capitalista. Como reforça o título original (traduzido livremente como A Lei do Mercado) de O Valor de um Homem, longa do francês Stéphane Brizé, são as leis do mercado que regem a vida dos cidadãos comuns e na maioria das vezes faz isso de forma irônica e hipócrita, trocando a dignidade das pessoas por notas de papel que garantem a sobrevivência.
Thierry (Vincent Lindon) está há quase vinte meses desempregado, considerado já com a idade avançada (apenas 51 anos) e com um currículo insuficiente para o mercado de operador de máquinas, ele tenta se adequar às exigências do universo de RHs e da vida financeira. Por um lado busca justiça com seus antigos colegas, processando a empresa que fechou e os deixou desempregados. Por outro, se adequa à etiqueta necessária – e hipocritamente falsa – para se sair bem em entrevistas e conseguir um novo emprego. É nessa segunda situação que o modus operandi do capitalismo e das relações vazias entre corporações e empregados se mostra sem máscaras, funcionando como dispositivo para vários males contemporâneos como depressão e apatia.
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É nesse contexto que o filme de Brizé faz um belo par com o Dois Dias, Uma Noite (2014) dos irmãos Dardenne, porém colocando um protagonista mais acomodado à lógica sugerida. A paciência do protagonista, em momentos que o espectador respira fundo antes de gritar ou indignar-se, é quase um ato kafkiano, um Gregor Samsa diante da sua impotência na metamorfose em um inseto. A apatia diante de um mercado que nega qualquer dignidade para seu currículo, que sugere que ele se desfaça de algo que lutou boa parte da vida ou pior, que julgue outras pessoas em situação parecida, é agonizante. Apenas vemos Thierry lutando contra algo em um um único momento de clímax do filme, e é aí que o espectador deixa o pesar de lado e se indigna com a hipocrisia do sistema.
Em determinada cena Thierry tenta aprender a dançar com sua esposa, o professor pede que ele tenha mais leveza, se concentre no par e deixe seu corpo mais fluído. Como fazer isso se para tudo na sociedade ele tem que estar moldado para cada situação? Cada atitude exige uma etiqueta de comportamento, senão pode se considerar peça fora do jogo. Mas o longa não se atém em apenas denunciar a situação trabalhista da Europa atual, em um segundo momento de O Valor de um Homem, com o protagonista realocado no mercado de trabalho, o filme inverte os papéis e o coloca em situações que poderiam fazê-lo questionar tudo que passou durante os muitos meses sem emprego. O desenvolvimento é notável e funciona bem através do mecanismo proposto no roteiro escrito em parceria com Olivier Gorce.

A câmera de Stéphane Brizé em O Valor de um Homem é realista, levemente escondida e poucas vezes filma o protagonista de frente. Raramente vemos sua intenção ou reação diante das situações que ele se encontra. A trilha sonora também é inexistente, como se de fato estivéssemos assistindo a câmeras que monitoram a vida de Thierry, com cenas montadas em favor do desenvolvimento do personagem. Aliás, no segundo momento do filme, quando se torna um observador – como segurança – as câmeras do supermercado passam a funcionar de maneira metalinguística, nos colocando em um terceiro plano desconfortável. Afinal, julgar o protagonista faz parte do dever do espectador, mas lidar com a apatia dele diante dos outros já se torna bastante penoso.
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O valor do homem ou o valor que o mercado dá para ele? É o mercado que dita as regras e é assim que a pessoa irá decidir como serão e funcionarão os seus princípios de sobrevivência. O Valor de um Homem é um retrato crítico e cruel de uma realidade regida por lógicas hipócritas e que beneficiam apenas um lado da relação, aquele que dá o dinheiro em troca do trabalho.
Nota:

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