Habitantes dos cantos escuros da internet, sejam muito bem-vindos ao Titty Twister, um lugar que exala péssimas decisões (além de álcool e suor) e faz aflorar de maneira inebriante seus desejos mais internos (só para depois sugar o seu sangue e te descartar em cima uma pilha de corpos).
“Dois irmãos criminosos em fuga sequestram um pastor e sua família os forçando a cruzar a fronteira para chegar ao México. Para esperar seu contato, eles programam passar a noite em uma boate mexicana, no entanto, descobrem que os frequentadores do local não são nada do que esperavam, enquanto tomam Um Drink no Inferno.
“Em algum lugar, no meio de lugar algum…”
Perseguidos pelos tiras por roubar um banco e deixar um rastro de mortes por onde passam, os “Irmãos Gecko”, por ironia do destino, encontram por acaso uma família que é o oposto deles – mais estruturada, com valores morais, certo apego a religião, honesta e trabalhadora, e que passa por um momento de dor – e os fazem de refém em seu trailer, os forçando a atravessar a fronteira para o México. O que nem o mais perverso dos criminosos poderia imaginar é que, depois de toda a perseguição, e dificuldades do percurso, o destino havia guardado um desfecho bastante sinistro e sangrento para eles, numa apoteótica Vampire Stravaganza.
O primeiro ato consiste em apresentar os pólos do núcleo principal de personagens, cada um em seu elemento, até o momento em que se encontram e tudo começa a dar errado, portanto, conhecemos os irmãos Gecko, fazendo o que fazem de melhor, que é fugir dos tiras, cometer crimes, e matar pessoas a sangue frio, trazendo também as distinções pilares entre os irmãos, que com o passar do longa ficam cada vez mais evidentes.
Além deles, a família Fuller, composta por pai e casal de filhos, também é bem apresentada para o espectador, evidenciando as principais características, dramas, traumas, caráter e personalidade de cada um, enquanto tentam conviver entre si e aproveitar a viagem de férias. Ao se encontrarem, a dinâmica do filme se altera, trazendo a real tônica da obra, que é um filme sobre uma família de férias que é feita refém por uma dupla de criminosos extremamente perigosos, e obrigada a tirar os malfeitores do país.
Do início do sequestro, passando pela construção do relacionamento entre criminosos e vítimas, até a chegada ao bar “Titty Twister” o segundo ato desenrola muito bem, compondo a maior parte do filme.
O núcleo principal é dividido entre dois pólos opostos, composto pela família Fuller – que apenas quer fazer uma road trip -, e os instáveis Irmãos Gecko – uma dupla de ladrões de bancos que está fugindo a todo custo das autoridades.
Jacob Fuller (Harvey Keitel) é o patriarca, um pastor passando por uma crise espiritual devido a morte da esposa, que no filme está em uma “Road Trip” a fim de se reconectar com seus filhos adolescentes, Scott (Ernest Liu) e Kate (Juliette Lewis), que não tem muita escolha a não ser acompanhar o pai nessa busca por significado.
Seth Gecko (George Clooney) é o irmão mais “centrado”, digamos assim, que mantém as coisas no lugar, enquanto Richie (Quentin Tarantino) é completamente fora de si, paranóico e sedento por sangue.
E essa combinação é que mantém a tensão durante praticamente todo o filme, especialmente pela diferença moral dos pólos de atuação, e pela volatilidade de um dos personagens.
Com a exceção de um e outro ator desconhecido, e que talvez nunca mais tenhamos visto, o elenco é estrelado, e todos têm participação importante, eles não aparecem e nem somem levianamente. Inclusive alguns atores desempenham inclusive mais de um papel, o que dá uma sensação de confusão, ao mesmo tempo que ajudam com o alívio cômico ao longo da produção.
Um dos destaques vai para o ator Cheech Marin, – que ganhou reconhecimento nos anos 70 pelo ato de comédia Cheech & Chong com seu parceiro Tommy Chong, em que ambos interpretaram uma dupla de hippies bastante íntimos da “marijuana” – que no filme interpreta nada menos que três papéis, sendo eles: o Guarda da Fronteira, Carlos, e Chet Pussy.
Outros atores que merecem destaque são, o grande nome do horror, Tom Savini que interpreta Sex Machine, Danny Trejo como Razor Charlie, e Salma Hayek como Santanico Pandemonium. Todos os três são personagens icônicos, muito bem interpretados, e que proporcionam cenas inesquecíveis.
Falando um pouco sobre os responsáveis por trazer a vida essa película tão peculiar.
Robert Kurtzman é um prolífico realizador, principalmente dos filmes de horror, sendo além de diretor, produtor e roteirista, um grande profissional da maquiagem, sobretudo da maquiagem prostética e maquiagem de efeitos especiais. Além de tudo isso, foi ele o responsável por conceber a ideia e escrever inicialmente a história de Um Drink no Inferno.
Quentin Tarantino é a mente por trás de filmes bastante particulares, sua assinatura é reconhecida por milhões de fãs em todo o mundo, que gerou um culto de adoração a sua obra, que inclui nada menos do que Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Kill Bill, Bastardos Inglórios, entre outros, em que trabalhou com grandes astros do cinema. E na obra em questão, não foi diferente, já que além atuar, também roteirizou a história trazida por Kurtzman.
Reconhecido como uma espécie de porta-voz dessa cultura latina/hispânica fronteiriça entre Estados Unidos da América e México, Robert Rodriguez (Trilogia Mariachi, Machete, Sin City) consegue de maneira eficaz dirigir essa peculiar produção que transita entre a ação, western, humor negro e terror de monstros, entre um filme com uma pegada mais real, que demonstra o extremo lado negro da psiquê humana ao seguir dois criminosos altamente perigosos, imorais, cercados por sangue, violência sexual, e assassinatos, ao mesmo que trabalha o status quo com a família religiosa vítima do sequestro, até aterrisar em um show digamos burlesco em um bar de beira de estrada repleto de seres monstruosos, que na verdade se encontra em um templo de alguma civilização pré-colombiana.
Produzido pelo músico Graeme Revell, a trilha sonora é basicamente uma ode ao estilo de fusão das músicas regionais da fronteira entre Estados Unidos da América e México, indo do Country Alternativo e Neotradicional, ao “Tex-Mex” de fato, com o Blues Texano, Rock Chicano, e música Tejana, além de claro pontuações feitas especialmente por Revell para o longa. O álbum que acompanha o filme conta com enxertos de diálogos do filme, e artistas como The Blasters, Stevie Ray Vaughan, ZZ Top, The Mavericks, Jon Wayne e Jimmie Vaughan, além de claro, Tito & Tarantula, banda que toca no bar “Titty Twister”.
Com certeza é uma trilha sonora que dá um toque mainstream e popular, mas, que ao mesmo tempo compõe bem o filme, as mudanças de terreno, nuances das atuações, e passagem dos atos, auxiliando no dinamismo, seja nos momentos de tensão e mistério, como na ação e alívio cômico.
Curiosidades:
- Alguns atores podem ser vistos recorrentemente em filmes tanto de Robert Rodriguez quanto de Quentin Tarantino, como é o caso de Danny Trejo e Harvey Keitel respectivamente.
- Earl McGraw, que teve sua primeira aparição em Um Drink no Inferno, se tornou um personagem presente em várias outras obras, tanto de Tarantino quanto de Rodriguez.
- Duas produções baseadas na obra original foram realizadas, sendo a sequência Um Drink no Inferno 2: Texas Sangrento de 1999, e uma “prequel” focada na origem da personagem Santanico Pandemonium, chamada Um Drink no Inferno 3 – A Filha do Carrasco, lançada em 2000.
- No ano de 2001 foi lançado um videogame sobre a sequência do personagem Seth Gecko, que na história precisa escapar de uma prisão flutuante que é atacada por vampiros.
- O diretor Robert Rodriguez é responsável por uma franquia de muito sucesso chamada Pequenos Espiões.
É um filme que expõe o mal em suas mais variadas formas, e que apresenta personagens que possuem algumas camadas a mais, níveis psicológicos diferentes, do sujeito traumatizado, ao doente mental, do que está em paz com suas decisões, ao mais degenerado psicopata, e isso tudo com plot twists interessantes e inesperados.
Até a data da publicação desta análise, 20/10/2023, Um Drink no Inferno, se encontra disponível nas plataformas de streaming Amazon Prime Video, e Apple TV.