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“Vice”: O poder e a ambiguidade de um vice-presidente

Vice explora a ascensão de Dick Cheney ao poder, personificado de forma quase irreconhecível por Christian Bale. Dirigido por Adam McKay, o filme adota um tom de sátira, mas se perde ao oscilar entre biografia, crítica política e um pastiche documental. A abordagem única do diretor, que antes funcionou bem em A Grande Aposta, aqui parece fragmentada, deixando a história de Cheney presa entre o drama político e o humor irônico, sem que nenhum dos dois prevaleça de fato.

O longa inicia na juventude de Cheney e seu envolvimento na política, onde ele vê em Donald Rumsfeld (Steve Carell) um mentor. Ao contrário de outras narrativas biográficas, Vice enfatiza a influência de sua esposa Lynne (Amy Adams), que o incentiva a ascender no Partido Republicano. O filme cobre essa primeira fase de Cheney com dinamismo, mas sem muita profundidade. As cenas que mostram seu impacto no governo Ford e, depois, sua passagem pelo setor privado soam quase como um prelúdio apressado.

Na segunda parte, o filme insere um “falso final” irônico, criando uma falsa sensação de encerramento antes de iniciar a fase mais polêmica da vida de Cheney: sua relação com o governo de George W. Bush (Sam Rockwell) e as decisões pós-11 de setembro. A partir daqui, McKay mergulha nas manobras políticas que resultaram na invasão do Iraque, tentando expor os bastidores que moldaram essa decisão, embora de forma superficial e dependente de fatos já divulgados.

O tom de sátira, marca registrada de McKay, é evidente, mas muitas vezes soa deslocado. Embora haja sequências engenhosas – como a simulação de um monólogo “Shakespeareano” entre Cheney e sua equipe –, essas tentativas de humor visual ou teatral acabam por distrair mais do que enriquecer a narrativa. A crítica, que deveria questionar e iluminar as ações de Cheney, fica perdida entre essas interrupções que tentam lembrar ao público de que se trata de uma farsa, sem acrescentar nada realmente novo à história.

Christian Bale, sem dúvida, é o grande destaque do filme. Ele interpreta Cheney com uma transformação física impressionante, capturando os maneirismos e o peso das decisões do vice-presidente. A atuação é tão fiel que transcende a simples imitação e cria um personagem assustadoramente próximo ao real. No entanto, essa fidelidade não é replicada em todos os personagens, especialmente no caso de Steve Carell, que parece desconectado do Rumsfeld que lembramos dos tempos do governo Bush.

Outro ponto problemático é a ausência de nuances na narrativa. O filme não explora a complexidade da relação entre Cheney e Bush durante o segundo mandato, quando o poder do vice-presidente começou a declinar. Esse foco unidimensional na vilania de Cheney contribui para uma visão maniqueísta dos acontecimentos, que pode deixar o público mais informado desejando uma análise mais detalhada e menos polarizada.

A sensação geral é a de que Vice faz uma crítica política para um público já convencido de seus argumentos. Ao comparar com O Favorito, que aborda figuras políticas com mais sutileza, percebemos que McKay não atinge o equilíbrio que sua narrativa exige. Enquanto A Grande Aposta conseguiu explorar a crise financeira de 2008 com astúcia e humor, Vice não traz o mesmo impacto, deixando a impressão de ser mais um eco de indignação do que uma investigação.

Para um filme que se propõe a destrinchar os bastidores do poder e das decisões militares, ele não oferece novas perspectivas para além do que já foi mostrado em documentários sobre a era Bush/Cheney. No fim, Vice acaba reforçando o que já sabemos, sem acrescentar uma visão transformadora sobre o homem e o poder que ele exerceu.

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