A Bela América

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"A Bela América" entrega uma comédia triste e enfadonha sobre o cenário político português

A comédia é um gênero que anda na corda bamba, ao mesmo tempo que quer dialogar diretamente com a sua época, também não quer envelhecer e ficar anacrônico. Segundo o diretor português António Ferreira, A Bela América é um filme que nasceu, enquanto ideia, há pelo menos 20 anos. Se por um lado é fato que o filme dialoga no íntimo com o cenário político português contemporâneo, assim como o nosso próprio brasileiro, ele também é atravessado por discursos de efeito que carecem de construção crítica, correndo o risco de soar, inclusive, colonizador.

A Bela América abre com uma cena emblemática de despejo de Lucas (Estêvão Antunes) e sua mãe (Custódia Gallego), uma mulher idosa e cega. Apesar dos dois personagens já se apresentarem bastante caricatos de uma clássica relação de apego entre mãe e filho – ele infantilizado pela mãe –, dando o tom da narrativa, o que se expõe é uma situação recorrente em Portugal: a de despejo seja por situações financeiras ou a remodelação urbana com a derrubada de construções antigas. Lucas e a mãe passam a morar em uma pequena casa, de um cômodo só, de madeira, em Coimbra, cedida por um amigo que está trabalhando na campanha de América, uma figura da TV que está candidata à presidência. Claro que o amigo vai sentir o faro para essa situação colaborar com a campanha da candidata, e é aí que a coisa começa a se perder. Lucas conhece a candidata e uma relação de desequilíbrio – mas de ganhos e perdas mútuas – começa a se desenvolver.

América (São José Correia) é uma personagem que tenta parecer bonachona. Ela é uma mulher padrão muito bonita que sempre tem frases de efeito para falar quando uma câmera aparece. Não presta atenção nas pessoas, diz que não é “nem de esquerda, nem de direita, muito pelo contrário” e está disposta a conquistar eleitores das maneiras mais superficiais e populistas possíveis. Porém, não funciona. A Bela América força uma construção narrativa entre Lucas, um promissor cozinheiro sem perspectivas, e América, aquela que mente sobre uma trajetória de sucessos mas, na verdade, é uma pessoa de raízes humildes.

Lucas tenta conquistá-la pela boca, fazendo pratos mirabolantes às escondidas enquanto ela está em campanha. O filme flerta com uma construção de cena voyeur e quase achamos que A Bela América pode enveredar para uma crítica política que usa o erótico alimentar como ferramenta, do jeito que fez O Menu, por exemplo. Mas, também não. Apesar de uma fotografia bem desenhada – tem algo na luz de inverno que deixa tudo triste e melancólico apesar do tom irônico –, o roteiro em si não vai para lugar algum. Inclusive, a candidata se chamar América (e levar uma facada na campanha, veja só) parece ser um aceno mal fadado à colônia Brasil.

Realmente, como diz o próprio diretor, A Bela América é uma comédia triste e, também, muito portuguesa, como afirma uma crítica no YouTube. Acena brevemente para questões muito latentes como crises de moradia e precarização de profissões, mas também parece rir um pouco da nossa cara, do outro lado do oceano, nos entregando só o mais do mesmo enfadonho.

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