Se você chegou aqui, então perdoe a comparação entre duas figuras femininas tão importantes como Maria Antonieta, rainha da França, e a rainha Zaphira da Argélia. Nós do ocidente cristão eurocêntrico conhecemos pouco (ou nada) da história de países africanos e mulçumanos, então é necessário utilizar referências para nos localizar no filme.
Entendendo que é apenas um recurso criativo e pessoal, vamos às considerações:
POR QUE ‘MARIA ANTONIETA’ DA ARGÉLIA?
Essas duas mulheres desempenharam papéis importantes nos seus países. As duas sofreram com o pensamento preconceituoso de sua respectiva época, fazendo com que boatos fossem levantados sobre suas vidas. Há quem afirme que Maria Antonieta disse “Se não há pão que comam brioches”, como também há quem defenda que isso foi uma forma de direcionar descontentamentos políticos para uma mulher fútil e aristocrata.
Todos estão cientes do que foi a revolução francesa, então não vou me arrastar neste tópico, afinal o tema não é esse. Mas é interessante observar como o poder da ‘fofoca’ é poderoso e capaz de construir ou modificar fatos históricos. A rainha Zaphira foi retratada em seu tempo como uma mulher fútil, e que fazia festas enquanto estrangeiros estavam invadindo suas terras. No filme há cenas em que mulheres da corte comentam como ela é capaz de se divertir enquanto muitos estão sofrendo (vai um brioche?).
Zaphira é uma mulher muçulmana que pratica um escândalo atrás do outro, tudo em nome do amor que sente pelo marido e filho. Aqui vai um ALERTA: se você não é mulçumano ou não entende da cultura, ficará um pouco difícil entender esses escândalos. Por exemplo, demora um pouco para compreender (depois é explicado) o porquê Zaphira não podia entrar no palácio quando bem entendesse, já que é uma rainha. Essa falta de conhecimento pode fazer com que alguns percam o timing de algumas cenas.
Talvez por ser uma personagem inserida em uma cultura onde o homem é o centro, Zaphira deve ter sofrido bastante com ‘fofocas’ através do tempo. Ela praticamente faz quase tudo o que uma mulher muçulmana não deveria fazer. Ela sai de um papel submisso, age com impulsos e TOMA DECISÕES SEM A PERMISSÃO DE UM HOMEM! Coloquei em caixa alta, porque isso por si só é a causa da maldição da personagem.
Maria Antonieta ou Zaphira, as duas enfrentaram comentários maldosos e foram protagonistas de escândalos. As duas enfrentaram revoltas e sofreram as consequências. Ambas eram símbolos de um passado que deixou de existir (de certa forma).
QUEM FOI AROUDJ BARBAROSSA?
Se você fizer uma pesquisa rápida descobrirá esse nome em alguns top maiores piratas do mundo. De fato, ela foi um grande corsário. Para falar de Barbarossa temos que falar da história da Espanha e sua Guerra da Reconquista, onde teve que expulsar os mulçumanos de seu território para se unificar como uma nação. Barbarossa ajudou muitos mulçumanos a fugirem da fúria cristã e dos exércitos do papa. Aroudj se tornou uma lenda viva nessa época, e continua até hoje um nome importante.
Vale lembrar que na época em que a história do filme é contada, o mundo estava em ebulição. O continente americano havia sido descoberto e a Europa estava vivendo um período de revanchismo contra os muçulmanos. Depois da conquista de Constantinopla, transformada em capital do Império Otomano, tudo virou desculpa para atacar os muçulmanos. Ainda mais por conta das rotas marítimas comerciais que eles dominavam.
É óbvio que você consegue entender o filme sem saber disso tudo, mas ficam dúvidas, como ‘por que os espanhóis estão invadindo Argel?’. Sem esse conhecimento histórico talvez não entenda a repulsa que os invasores causam, ou o papel de salvador lendário que Aroudj tem na história. Ele e seu irmão, que também herdou o título de Barbarossa, eram literalmente o terror dos cristãos na época em que viveram.
E O FILME? VALE A PENA?
Se você gosta de história e filmes biográficos com personagens fortes, então é possível que você saia satisfeito. Eu gostei bastante! Mas tenho que avisar que se trata de um filme bem diferente dos produzidos por Hollywood. Mesmo assim possui seu charme. E o filme é muito charmoso, com figurinos e atuações ótimas.
Algumas cenas são bem dramáticas. Você pode até esquecer o tempo passar porque estará envolvido com a trama (mesmo sem o background histórico). Digamos que A última Rainha é um filme de 3 camadas. A primeira é a emocional, onde qualquer um pode aproveitar e se envolver com as cenas dramáticas. A segunda é a camada histórica, onde o filme será mais bem aproveitado se você tiver um conhecimento prévio. E a terceira e última é a camada psicológica, porque o filme possui cenas dentro de sonhos. Você com certeza terá assunto para conversar com seus amigos que gostam de coisas relacionadas ao subconsciente. Eu mesmo fiquei pensativo com uma dessas cenas.
VÁ E ASSISTA! Como dizem os jovens do Tik Tok “ela não deita pra homem nenhum”. Se Zaphira foi uma mulher infame em sua época, na nossa ela vale a atenção.