O diretor polonês Andrzej Wajda dedicou mais de meio século de carreira para tratar da história e política no seu país, usando a estética do olhar em primeiro lugar. Em Afterimage, seu filme de despedida, retrata os últimos anos de vida do pintor Wladyslaw Strzeminski, um dos mais importantes da vanguarda polonesa, que também viveu defendendo a liberdade da arte como princípio básico do artista. As primeiras cenas do filme tratam de uma aula ao ar livre, ao explicar à nova aluna Hannah, o porquê de estarem ali, o artista consegue, em uma única fala, definir não apenas a arte – ou o nome do filme – mas toda a obra do cineasta que filmava seu último trabalho: “A imagem deve ser o que você absorve daquilo ou daquilo” diz apontando para a paisagem ao redor, “Ao olhar para um objeto ficamos com o reflexo dele no olho. Quando desviamos o olhar e paramos de observá-lo, a ‘afterimage’, a imagem residual, permanece no olho”.
Afterimage não pretende ser uma cinebiografia da carreira do pintor russo-polonês, e vai além, refletindo sobre a impotência do comunismo implantado na Polônia pós-guerra. Em uma bela cena, em que o pintor aciona o dispositivo que irá colocá-lo na lista negra do regime, após rasgar uma bandeira enorme com a imagem de Stálin na frente do seu prédio, ele afirma que nunca fora contra o comunismo e sim discordava das formas em que ele estava se dando naquele momento da História. As más interpretações – ou as interpretações munidas de más intenções – são fortes metáforas sobre a relação de quem lança o olhar sobre a arte, é com esse jogo que Wajda nos permite ir além como espectadores, refletindo não apenas sobre a miséria no fim da vida de uma figura tão importante, mas sobre como decidimos ver essa miséria.
Aqui, são colocados em questão os limites de um totalitarismo e a forma como foram borradas as ideias de um socialismo teoricamente ideal. Em Afterimage o diretor faz questão de mostrar a situação que o pintor viveu nos últimos anos de vida, rejeitado pelo Estado como se fosse uma verdadeiro traidor, sendo que sempre fora fiel a suas próprias crenças ideológicas. Para um país que passou os horrores do nazismo, o regime comunista se instalou com punho de ferro, limitando a população em nome de uma reestruturação forçada, impossível de funcionar em meio a um sistema capitalista vigente, tão feroz quanto.
O destaque não fica apenas em uma direção de arte tão bem proposta, nem no figurino mas, principalmente, nas cenas em que as obras de Wladyslaw Strzeminski compõem a cena, nos apresentando seu trabalho e método sem didatismos. Destaques nas atuações de Bogusław Linda como o protagonista – o ator mantém até o fim um olhar de esperança e resistência – assim como a sua filha adolescente Nika, interpretada pela ótima Bronislawa Zamachowska. Claro, a direção de Andrzej Wajda é uma qualidade à parte, mesmo que Afterimage não seja sua maior obra-prima. Quando Wladyslaw Strzeminski diz que na verdade, só vemos as coisas que temos consciência, é o próprio Wajda refletindo sobre sua arte, exatamente como fez o pintor em seus últimos anos de vida. Definir como as formas e as escolhas estéticas poderiam dialogar com uma ideologia não era uma tarefa fácil para um marxista, vivendo num regime totalitário que usava sua ideologia para boicotar a liberdade das pessoas.
Um dos aspectos mais interessantes do longa, que segue em vários sentidos opostos de filmes com o mesmo contexto, é que o boicote do regime em relação ao pintor não é colocado na conta da ideologia e sim das formas em que os conceitos e ideais foram se estruturando nas mais diversas frentes, no caso da Polônia numa burocracia stalinista. O filme tenta dar conta dos perigos de um olhar sem consciência do que se viu ou se leu, fechando com a morte do pintor e, posteriormente, do próprio cineasta, não dando fim ao sentido da arte deixada e sim levando-a para a posteridade.