Ainda Estou Aqui

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“Ainda Estou Aqui””: O retrato de uma família em resistência

Ainda Estou Aqui, nosso candidato ao Oscar do ano que vem, oferece um olhar íntimo e sensível sobre a vida de Eunice Paiva, que transforma seu luto e medo em força para lutar pela memória de seu marido e pelo futuro de sua família durante um dos períodos mais sombrios da história do Brasil. Dirigido por Walter Salles, o filme não é apenas uma adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva (filho da protagonista), mas uma poderosa homenagem à resiliência de Eunice e à sua trajetória e coragem diante da repressão.

A força do longa está em retratar um drama familiar que vai além do pessoal, abordando o impacto da ditadura militar de maneira visceral. Com Fernanda Torres interpretando Eunice, Ainda Estou Aqui nos coloca na pele de uma mãe e esposa que, após o desaparecimento do marido, precisa não só lidar com a dor, mas encontrar forças para manter a família unida e protegida. Ela transmite a profundidade de Eunice em cada sequência, tornando-a assim, forte candidata ao prêmio máximo do cinema no próximo ano.

O longa mostra a evolução da protagonista em uma narrativa que equilibra momentos de ternura e tragédia, explorando os laços que sustentam a família em meio ao horror. Os primeiros momentos, em que a casa dos Paiva é um espaço de vida e alegria, servem de contraste para o impacto brutal da repressão militar. Os filhos de Eunice vivem de maneira espontânea e despreocupada, até que a intervenção militar destroi essa bolha de inocência, transformando o cotidiano da família para sempre.

Salles adota uma abordagem que vai além dos fatos políticos, aprofundando-se nas experiências de cada membro da família. O filme ilustra a relação de Eunice com seus filhos, principalmente com as filhas mais velhas, que enfrentam de perto o medo e a incerteza. O momento em que Vera, a filha mais velha, é parada em um bloqueio policial logo no início do longa, já destaca o perigo iminente que paira sobre todos, criando uma atmosfera de constante tensão.

À medida que o filme avança, a jornada de Eunice se torna ainda mais comovente. Forçada a lidar com a vigilância constante e o cerceamento de sua liberdade, Eunice enfrenta o governo que se recusa a admitir o desaparecimento do marido. É nesse ponto que seu espírito de luta emerge, ainda que inicialmente seu objetivo seja apenas proteger seus filhos. A determinação de Eunice cresce a cada cena, mesmo quando a repressão e a injustiça parecem intransponíveis.

Um dos pontos altos de Ainda Estou Aqui é o momento em que Eunice é levada para interrogatório, mostrando a brutalidade da ditadura de forma crua. Em meio a cenas angustiantes, acompanhamos Eunice ser isolada e coagida, enquanto tenta desesperadamente proteger sua família. A atuação de Torres, vulnerável e forte ao mesmo tempo, captura perfeitamente o desespero e a tenacidade de uma mulher em circunstâncias extremas, fazendo sentido que ela figure nas listas de potencial indicada ao Oscar do ano que vem.

Após sua libertação, Eunice percebe que o governo não a deixará em paz e, determinada a lutar pela verdade, decide mudar-se para São Paulo, onde retoma os estudos e se forma em Direito. Esse passo simboliza a transformação de uma mulher que antes estava limitada ao lar em uma ativista incansável pelos direitos humanos. Sua determinação em desafiar o sistema e buscar justiça pelo marido a coloca como uma figura fundamental na luta contra o esquecimento e pela verdade.

A beleza narrativa de Ainda Estou Aqui está na forma como Salles opta por não recorrer a discursos grandiosos. Em vez disso, o filme expressa a transformação de Eunice em pequenas ações cotidianas, mostrando que seu heroísmo é silencioso e contínuo. Seu trabalho ao longo dos anos, especialmente na busca pelo reconhecimento das vítimas da ditadura, é retratado com uma sensibilidade que emociona e cativa.

No fim, Ainda Estou Aqui é mais que uma história de luto e sobrevivência. É um retrato da resistência humana e uma homenagem às mulheres que, mesmo diante de uma opressão avassaladora, encontraram forças para lutar por justiça e dignidade.

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