Amanhã e Todos os Outros Dias

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Em “Amanhã e Todos os Outros Dias” uma relação complexa entre mãe e filha nos fazem questionar o sentido de sanidade na sociedade

A relação entre mãe e filha parece sempre ser sabotada na ficção e, também, na construção do senso comum. Se a psicanálise, em uma contextualização mais apressada, insinua que há vaidade na relação materna com a filha, o universo parece apresentar histórias que corroborem com isso, mostrando laços problemáticos entre mulheres que se conectam de forma tão primordial. Em Amanhã e Todos os Outros Dias, a francesa Noémie Lvovsky consegue construir uma história tensa entre mãe e filha criança fazendo uso de uma peculiar construção da menina que, através da fabulação, vai aprender a lidar com a doença mental da mãe.

Mathilde (a ótima Luce Rodriguez) tem nove anos e é muito responsável apesar de se apresentar como uma criança com poucos amigos, submersa, e atenta, no universo imaginativo de uma mãe fora do padrão. Não sabemos exatamente o que tem a mãe de Mathilde mas compreendemos que ambas possuem uma relação muito estreita: a criança sabe que a mãe pode sumir, mas deve voltar antes das 21:30, ela também é acostumada com as manias maternas, os esquecimentos e total falta de filtros de sociabilidade. Mesmo com todas essas limitações, a menina ainda é uma criança e descobre o mundo ao seu jeito, como em uma história a la Pollyanna ela entende a sua responsabilidade com a mãe mas não deixa de viver as peripécias infantis.

Porém, com o passar do tempo a relação vai se tornando insustentável porque os rompantes da mãe se tornam mais violentos e prejudiciais ao andamento do crescimento de Mathilde. Exatamente como é na infância, quando alguma situação culmina, a criança passa a ter suas próprias ferramentas para lidar com a realidade de forma mais amena. Um elemento de fantasia é adicionado à narrativa e o filme passa a assumir o olhar da menina, infantil e que nos faz enxergar essa mãe de forma terna e realista. Diferente do que a crítica disse durante o Festival de Locarno – o filme abriu o festival – a fantasia aplicada na história é o que permeia a empatia que temos, principalmente com a doença mental da mãe de Mathilde.

Mathieu Amalric (O Escafandro e a Borboleta) é o pai, ainda que ausente, apresentado de forma honesta, um personagem que não se atravessa entre a relação em constante construção de mãe e filha, mas que serve de referência na manutenção dos laços. A própria Noémie Lvosky, que encarna a personagem materna de forma tão contundente, conta que Amanhã e Todos os Outros Dias é um pouco de sua própria história. Seu trabalho de direção e roteiro estão amarrados com sua própria auto-direção e o constante diálogo com a personagem de Luce Rodriguez que parece, de fato, ser quem dá as cartas no filme.

O elemento de fantasia foi o que mais frustrou a crítica em Locarno. Acredito que esses elementos sirvam como suportes narrativos pois o universo infantil é repleto de mecanismos que em boa parte das vezes nos esquecemos como funcionam. Amanhã e Todos os Outros Dias não é um filme dramático sobre uma mãe em processo de aceitar a sua loucura, mas um filme sobre a adaptação de uma criança em relação à uma mãe fora de padrão e como ela encara esse universo, servindo, inclusive, para moldar a adulta que ela se tornará.

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