Ana dos Mil Dias mergulha em um dos períodos mais turbulentos da monarquia inglesa para dramatizar o relacionamento entre Henrique VIII e Ana Bolena. Ao escolher adaptar a peça de Maxwell Anderson, o filme se compromete com uma abordagem teatral e verborrágica, priorizando os diálogos intensos e os confrontos de bastidores à ação direta. O resultado é uma obra imponente, ainda que por vezes excessivamente cerimoniosa.
Richard Burton assume o papel de Henrique VIII com a autoridade que se espera de uma figura histórica tão poderosa, embora nem sempre consiga transmitir a complexidade emocional do monarca. Sua performance oscila entre a fúria calculada e a rigidez, deixando pouco espaço para nuances. Em contraste, Geneviève Bujold oferece uma Ana Bolena vibrante, determinada e trágica — é ela quem traz vida ao filme, tornando palpável o risco de desafiar o rei.
A trama acompanha o lento e estratégico desmoronamento do casamento entre Henrique e Catarina de Aragão, seguido pela ascensão meteórica e igualmente vertiginosa de Ana. O roteiro, no entanto, se dispersa em excessos de exposição e em uma dramaturgia que flerta com o melodrama, sem assumir de vez sua natureza passional. Os embates políticos e religiosos que envolvem o rompimento com o Vaticano são tratados mais como pano de fundo do que como motores dramáticos.
Apesar de seu ritmo lento, Ana dos Mil Dias impressiona pela produção caprichada. Figurinos suntuosos, cenários luxuosos e uma fotografia cuidadosa garantem uma ambientação fiel ao período retratado. Não à toa, o filme conquistou o Oscar de Melhor Figurino. É o tipo de épico que aposta na reconstituição visual para compensar uma narrativa que por vezes carece de vigor.
O destaque do elenco coadjuvante fica por conta de Anthony Quayle, que interpreta o Cardeal Wolsey com autoridade e ambiguidade moral. Já figuras centrais da história inglesa, como Thomas More, aparecem de maneira quase decorativa, o que reduz a riqueza política da trama. A direção de Charles Jarrott privilegia uma mise-en-scène estática, que pouco contribui para dinamizar as tensões internas da corte.
O filme não é desprovido de valor — há potência nos temas que aborda, como a fragilidade da mulher diante do poder patriarcal e o conflito entre paixão e dever. No entanto, falta-lhe a ousadia que uma história tão explosiva mereceria. A queda de Ana Bolena, por mais trágica que seja, não alcança toda a intensidade que poderia ter sob uma direção mais inventiva.
Ana dos Mil Dias é um drama de época digno e respeitável, mas que caminha com passos pesados. Sua grandiosidade estética e a performance arrebatadora de Geneviève Bujold elevam a experiência, ainda que o filme, como sua protagonista, pareça condenado desde o início: belo, imponente, mas irremediavelmente à mercê de decisões tomadas muito acima de sua cabeça.