Cinco Graças, primeiro longa-metragem de Deniz Gamze Ergüven e roteiro de Alice Winocour, é um retrato cruel, porém esperançoso, da forma que mulheres são formatadas numa sociedade patriarcal, levadas a suprimir qualquer sinal de sexualidade em nome dos costumes e preparadas para um único destino possÃvel: o casamento.
As primeiras cenas de Cinco Graças poderiam ser de qualquer filme adolescente indie americano. Verão, cinco irmãs brincam na praia com os garotos da escola até o fim do dia. Tudo seria normal, tranquilo e com frescor da adolescência se elas não tivessem sido observadas pela vizinha da casa em que moram com a avó, no interior da Turquia. Em um paÃs predominantemente islâmico, o comportamento das meninas diante dos garotos é considerado inadequado, uma afronta ao tradicionalismo. Mesmo não sendo educadas dentro do islamismo, a avó decide, em um Ãmpeto estranho de preservação, trancar as meninas em casa e criar o que a narradora do filme define como uma fábrica de esposas, casando uma a uma das netas.
Quase impossÃvel não comparar alguns aspectos de Cinco Graças com Virgens Suicidas (2000), dirigido por Sofia Coppola, baseado no romance de Jeffrey Eugenides. No filme americano cinco irmãs vivem um misto de repressão e tédio em pleno Estados Unidos dos anos 70. Assim como as americanas, as garotas turcas são expostas à uma vida de liberdades, mas quando fogem de uma linha delimitada por outros – desconhecida por elas até então – passam a sofrer uma série de “reparosâ€, que as condiciona a praticar certos tipos de rebeldias. Encontros escondidos, fugas e comportamentos compulsivos são alguns atos de resistência diante das condenações familiares. Mas também diferente do americano, aqui o ponto de vista da narrativa é de dentro do cÃrculo das adolescentes, não há teorias mas sim relatos.
Interessante mesmo é o sentido de irmandade que as garotas tem umas com as outras quando confinadas. Nesse aspecto a escolha do elenco é um dos melhores acertos de Cinco Graças, a relação de cumplicidade entre elas – mesmo que cada uma tenha sua identidade e personalidade – se desenvolve de maneira bastante natural e forte. A força da narrativa é Lale (Günes Sensoy), a mais jovem. Com um espÃrito sagaz e pouco conformista ela narra a trajetória das irmãs que vão saindo da casa, dia após dia. Lale não consegue aceitar o fato de que seu único destino esteja entre o casamento e o confinamento, ela tenta convencer as irmãs a resistirem e arquiteta situações como uma estrategista. Apesar da voz em off da personagem, por vezes, funcionar de forma repetitiva, reafirmando o que está em tela, ela também dá tom de testemunho, uma voz afetiva dessa história.
Com uma fotografia bucólica e várias cenas que se passam dentro da casa, Cinco Graças consegue se desenvolver de maneira bastante sensÃvel, sempre deixando o espectador Ãntimo e emocionalmente conectado com as irmãs. Talvez o fato de Ergüven ter nascido na Turquia, porém criada na França, e retratar em tela situações pessoais colabore com um olhar além da criação. A trilha sonora é de Warren Ellis, parceiro de longa data de Nick Cave, que como já é de costume consegue dar o tom minimalista necessário para o filme, não deixando que a trilha tente competir, ou mesmo precipitar sentimentos, com as cenas. Vale ressaltar que o filme é dirigido, roteirizado e montado por mulheres – para citar algumas funções – e não que isso tenha que fazer diferença, mas com certeza demonstra a força de uma nova geração de mulheres no cinema.
Assim como o tÃtulo original – Mustang, que remete à uma raça de cavalos selvagens – as cinco irmãs são domadas como se sua natureza fosse uma afronta à sociedade que exige adequação. Cinco Graças é um filme sensÃvel ao retratar a crueldade do cerceamento da liberdade ao praticar o pecado de ter uma inocente sensualidade condenada à s mulheres. Mas acima de tudo é um filme sobre irmandade, independente dos laços sanguineos, sobre a força das mulheres juntas em um mundo que não as aceita da forma que são.
Nota:
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