A palavra espectador sugere alguém que observa e que assiste, mas também implica uma espera. Ao sentar diante de um palco ou tela, passamos a aguardar que, seja o que for, se desenvolva e nos impressione de alguma forma. Nem sempre, o que se passará diante de nós, será uma ficção e em muitos casos será algo banal do cotidiano, que simplesmente pelo fato de ser um recorte, será um novo tipo de experiência. Em Cléo de 5 à 7, da cineasta belga-francesa Agnès Varda, duas horas do dia de uma cantora serão fundamentais para que uma vida inteira seja repensada e novos horizontes possam se abrir, mesmo diante da iminência da morte.
Cléo ou Florence (Corinne Marchand) está na espera do resultado de um exame em que receberá a confirmação de estar ou não com um câncer. Como em toda espera, há ansiedade, questionamentos existenciais e buscas por sinais. Logo na primeira cena, onde vemos as mãos – em um único resquício colorido do filme – de uma cartomante, recebemos um panorama da vida da personagem e um vislumbre do seu futuro. O que mais sabemos sobre Cléo é o que assistimos, a observando de perto e ouvindo alguns comentários mentais – ao estilo do fluxo de consciência literário – que alguns personagens tem sobre ela.
Uma das maiores beleza dos filmes de Agnès Varda é a fotografia, sua profissão primária. A forma que Cléo flana pela cidade é especialmente belíssima. A ideia francesa do flâneur – aquele que anda pela urbano, apenas observando – oriunda de Baudelaire, é aplicada aqui em uma mulher. Aliás, são várias, contando as que cruzam o caminho da protagonista. A câmera é sempre ligeira, não apenas acompanhando a personagem mas também as praças, lojas e a movimentação da cidade. Nada escapa, como se Agnès quisesse realmente captar cada detalhe. É um andar que liberta pois é fundamental para que Cléo se coloque em posição de questionar a própria existência e em contraste com o outro. A personagem lembra muito Clarissa, protagonista de Mrs Dalloway, romance de Virginia Woolf, pois assim como essa, ela também está buscando uma resposta, nela e nas outras pessoas.
A existência, a filosofia que viria ser tão recorrente na Nouvelle Vague, se coloca contra uma sociedade de apenas consumo e exige uma uma libertação. Esse questionamento sobre a existência, em Cléo das 5 às 7, coloca em jogo as mulheres como protagonistas. Ora em momentos de um passeio, de uma conversa, no cuidado e na descoberta – preste atenção na taxista que enfrentou um grupo de ladrões – as mulheres tentam se manter em consonância, em busca de si mesmas.
Cléo de 5 à 7 é o segundo longa-metragem de Agnès Varda e seu estilo reverberou durante todo século XX e ainda encontra ecos no cinema contemporâneo. Os planos fechados, a câmera colada nos personagens mas amplificada nas cenas externas, com belíssimas fotografias, foram inspiradoras não apenas para os cineastas da Nouvelle Vague mas para outros mais atuais como Richard Linklater e sua famosa Trilogia do Antes. Não apenas a estética de Agnès Varda é inconfundível desde o começo de sua carreira, mas os diálogos e os simbolismos na mise en scène são, mesmo depois de tantas décadas, de uma beleza sem igual no cinema.
O olhar inocente de Cléo durante o longa contrasta com o olhar decidido do cartaz do filme, há uma força nele, a tentativa de acreditar que a beleza imprimiria perspectivas em sua vida. Se no começo ela acreditava que era a sua beleza física refletida no espelho, a pura vaidade do ego, no decorrer das duas horas tão decisivas, a beleza é muito maior, onde o espelho não alcança. Cléo de 5 à 7 é, antes de tudo, um convite à prestarmos mais atenção nos segundos da nossa própria existência.