“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Essa frase ficou conhecida com o movimento cinematográfico que mudou a cara dos filmes brasileiros, chamado Cinema Novo. Os jovens e curiosos cineastas que se afastavam cada vez mais das famosas chancadas de estúdios, se viram num momento de necessidade de mostrar e representar a cara do povo, os problemas das ruas e a realidade crua. Seguindo os passos da Nouvelle Vague francesa e do neo-realismo italiano, o Brasil passou a ser visto como era de fato.
O documentário Cinema Novo, vencedor do prêmio Olho de Ouro este ano em Cannes, mostra de maneira orgulhosa e apaixonada, a criação do novo ideal no cinema de realismo brasileiro pelos olhos de uma de suas crias, Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha. Em primeira pessoa, o filme destaca o movimento de dentro pra fora. E com falas pinçadas de autores e realizadores tenta explicar os por quês dessa vontade de retratar regionalidade e situações atuais, cheios de questionamentos e com uma voz que pulsava para ser ouvida, um verdadeiro manifesto transcendental que se desvinculava da alienação cinematográfica e mudava para uma narrativa popular, mais inteligente, consciente e menos comercial.
De uma escolha inteligente, o filme logo conclui sua primeira sequência com uma das cenas mais fortes da literatura brasileira, o nascimento de Macunaíma. Personagem criado por Mário de Andrade e representante do modernismo da década de 20, que simboliza o povo brasileiro. Em uma mistura poética de imagens de acervo e resultado de pesquisas entrepostas de obras do movimento e depoimentos e opiniões do próprio Glauber, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Rui Guerra, Walter Lima Jr. e Paulo César Saraceni, o filme cria uma intertextualidade que conversa não só como linguagem de documentário, mas como cinema de verdade, criando uma história a parte e usando todas essas imagens para dizer algo novo, com um assunto já passado. Afinal, não é essa a função de um realizador de Cinema Novo, criar?
Cinema Novo dialoga com o país contemporâneo que vive uma situação política complicada e incerta, uma economia inconstante que preocupa e divide opiniões. Temas que conversaram diretamente com as abordagens dos cineastas do movimento, que viveram uma geração registrando a memória do Brasil com grande sentimento pela arte. Esquerdista ao extremo, o filme não deixa escapar sua raiz socialista de cabeças que enxergam um mundo injusto e cheio de falhas mas que fazem dinheiro com seu neo-idealismo.
Eryk é responsável por juntar suas referências de vida e olhar poderoso para criar uma experiência com o charme do preto e branco que aguça sentidos já esquecidos com a tomada do molde hollywoodiano e capitalista de contar histórias. Com propriedade no assunto e uma montagem excepcional, o filme extrai todo o potencial do Brasil para apresentá-lo para o mundo e definir o momento mais importante do cinema nacional.