Frankenstein

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"Frankenstein": O monstro que sonhava ser humano

Com Frankenstein, Guillermo del Toro finalmente realiza um sonho antigo — adaptar a obra máxima de Mary Shelley sob seu olhar profundamente emocional e visualmente arrebatador. O resultado é, ao mesmo tempo, grandioso e íntimo: uma ode à criação, à rejeição e ao abismo que separa o humano do divino. Mais do que uma nova leitura do clássico, o filme é uma síntese do próprio cinema de del Toro, que há décadas se debruça sobre criaturas marginalizadas e monstros que, no fundo, só querem ser amados.

A história, tão conhecida quanto atemporal, ganha nova força pela forma como o diretor a conduz. Victor Frankenstein, interpretado com exuberância por Oscar Isaac, é um homem movido pela arrogância de vencer a morte — uma espécie de artista da carne, cujas ambições ultrapassam qualquer limite ético. Sua criatura (Jacob Elordi) nasce não apenas do corpo de vários mortos, mas do desespero de um criador que deseja ser lembrado como Deus. No entanto, a tragédia maior de Frankenstein não está na criação, mas no abandono: ao negar amor à sua obra, Victor sela seu próprio destino.

Del Toro filma esse dilema com um lirismo sombrio que evoca tanto o romantismo gótico de A Colina Escarlate quanto a melancolia de A Forma da Água. O terror aqui não vem de sustos, mas da dor — de ver uma criatura que sente, aprende e sonha, mas é tratada como abominação. Elordi, em uma atuação monumental, encontra a humanidade no grotesco, conferindo à “criatura” uma pureza que contrasta com o egoísmo do cientista. É o monstro quem enxerga o mundo com olhos de criança, enquanto o homem se torna refém da própria soberba.

Visualmente, Frankenstein é um espetáculo. A direção de arte é meticulosa, os figurinos são de uma elegância trágica, e a fotografia mergulha o espectador em uma paleta que alterna o frio da razão científica com o calor quase religioso da vida recém-criada. Alexandre Desplat assina uma trilha sonora que eleva cada cena a uma dimensão operística, e é impossível não se deixar levar pela beleza plástica que envolve a monstruosidade da narrativa.

Como sempre, del Toro privilegia efeitos práticos e ambientes físicos, o que torna cada detalhe palpável. Essa escolha confere peso às performances — tudo parece vivo, mesmo o que nasce da morte. O laboratório de Frankenstein se torna uma extensão de sua mente: caótica, fascinante e perigosa. Há momentos de puro deslumbramento, como o momento macabro em que o cientista celebra a criação de seu “filho”, misto de euforia e loucura que antecipa a tragédia.

O texto de Shelley, subtitulado O Prometeu Moderno, ressoa aqui com nova potência. Ao revisitar o mito do homem que ousa brincar de Deus, del Toro desloca o eixo da história: seu foco está menos na transgressão e mais no vínculo — ou na ausência dele. Frankenstein é, no fundo, um drama sobre pais e filhos, sobre a dor de criar algo e depois rejeitá-lo. “Apenas monstros brincam de Deus”, diz Elizabeth em um dos diálogos mais fortes, sintetizando o dilema moral que move toda a narrativa.

Guillermo del Toro entrega, assim, uma das versões mais humanas de Frankenstein já feitas. Entre a beleza e o horror, o que emerge é um retrato comovente sobre solidão e pertencimento — temas que definem não só o monstro, mas todos nós. E se Shelley escreveu sobre o perigo da criação sem amor, del Toro transforma esse amor perdido em cinema puro, doloroso e deslumbrante.

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