Garota Sombria Caminha Pela Noite

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"Garota Sombria Caminha Pela Noite" é considerado, pela própria diretora, o primeiro western spaghetti iraniano e subverte alguns simbolismos sobre vampiros

Uma vampira que desliza em seu skate pelas ruas sombrias de Bad City, trajando um chador que funciona como capa – deixando de ser uma peça de roupa vista como opressiva no ocidente –, faz de Garota Sombria Caminha Pela Noite um filme que coacmpõe o simbolismo enigmático de criatura que atravessa o tempo. Essa vampira é a Girl (Sheila Vand), protagonista da estreia de Ana Lily Amirpour como diretora que, em 2014, ganhou prêmios em festivais como Sundance e foi comparada a cineastas como Jim Jarmusch, David Lynch e Kathryn Bigelow.

Ana Lily Amirpour, filha de pais iranianos, nasceu na Inglaterra, mas morou boa parte da vida nos Estados Unidos. Essas informações geográficas são importantes porque o cinema de Amirpour contempla os choques de culturas que ela presenciou desde a infância. Por “choque” não é preciso pensar algo negativo, mas sim produtivo, no caso dela. Muito disso está presente em Garota Sombria Caminha Pela Noite em que uma vampira à la nouvelle vague  – camiseta listrada, quarto com capas de filmes, pôsteres de banda e uma vitrola –, anda por uma cidade se vingando de homens opressores. O filme é todo falado em fársi, a língua persa, com um elenco todo iraniano, o que dá a ideia de Bad City ser um subúrbio sombrio do Irã.

Como toda boa história de vampiros, Girl sente tédio pela vida eterna ao mesmo tempo que precisa se alimentar. Por isso ela vaga pela cidade, escolhendo homens para beber sangue e ajudando mulheres em situações perigosas como a prostituta Atti (Mozhan Marnò), que sempre corre riscos com os clientes. Porém, Girl não está imune ao amor: em uma noite encontra Arash (Arash Marandi) fantasiado de Drácula e os dois emplacam uma relação complexa como qualquer outra entre mortal e imortal. Arash cuida do pai doente e viciado no próprio remédio; para manter esse vício o filho tem uma relação conflituosa com o traficante Saeed (Dominic Rains).

Em um primeiro momento Garota Sombria Caminha Pela Noite lembra muito Estranhos no Paraíso (1984), de Jim Jarmusch, tanto pelas conversas e planos dos espaços, quanto pela fotografia preta e branca que valoriza a luz mas, que nesse caso, encontra as brechas daquela que irrompe na escuridão. É justamente por isso que o filme funciona bem enquanto suspense, parece que algo sempre pode acontecer andando por aquelas ruas, nunca sabemos quando a vampira pode atacar. E quando a Girl ataca, ela faz com frieza e ódio no olhar, são nessas cenas que Ana Lily Amirpour demonstra o seu interesse pelo terror, como por exemplo um dedo arrancado e cuspido na cara de um antagonista depois de uma cena longa de tentativa de sedução por parte do homem.

Aliás, filmes de vampiros sempre têm o elemento da sedução, mas como aqui a vampira não é um homem, parece que ela sempre está vingando a tentativa deles fazerem isso com ela. Também, a sua relação com Arash se torna complexa porque é ele quem tem que abrir mão da sua vida mortal. Assim como fez Kathryn Bigelow em seu clássico Quando chega a escuridão (1987), Amirpour subverte e negocia alguns lugares de existência para vampiras e outras criaturas vampirescas dissidentes. Claro que ela não é a primeira a fazer isso, mas abre junto o caminho da precedência para muitos dos filmes que vamos ver na década que segue.

O trunfo de Garota Sombria Caminha Pela Noite, algo que talvez tenha colaborado com seu status de cult, principalmente quando saiu, é o vigor com que a diretora trabalha com as  suas referências. Ela diz que sua estreia no cinema é o primeiro faroeste spaghetti iraniano. Ou seja, é um filme que subverte um gênero como cinema de vampiros colocando uma jovem bebedora de sangue rondando uma cidade iraniana. Qual a ideia que temos de cinema iraniano? Como uma descendente de pessoas iranianas, DJ, skatista, fã de Madonna e Tarantino, faria um cinema que a representasse?


O cinema de gênero (horror, terror, sci-fi e etc.) pode ser construído a partir de muitas narrativas. O medo ronda nossas vidas, é falado em muitas línguas e assombrado por muitos tipos de criaturas, fantasmas e seres de outros lugares, ainda mais se pensarmos que sempre somos “o outro” de alguém. Garota Sombria Caminha Pela Noite é uma experiência estética que trabalha em favor da narrativa. Talvez a garota sombria seja a menos perigosa das criaturas de uma cidade.

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