Incompreendida

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Visualmente, "Incompreendida" é uma maravilha técnica

Rumores dizem que Incompreendida, terceiro trabalho como diretora de Asia Argento, é um conto autobiográfico. Isso parece correto pois há uma série de paralelos entre o que se sabe sobre sua vida e o que ela colocou na tela. No entanto, ao invés de simplesmente transpor um diário para o filme, ela transforma suas experiências em uma narrativa que pode ser entendida e apreciada pelo público sem qualquer conhecimento de sua vida pessoal. O resultado é uma obra que resulta ocasionalmente estranha, brutal e encantadora sobre o crescimento de uma menina, que poderia muito bem se chamar “Girlhood”.

Situado em 1984, o filme acompanha Aria (Giulia Salerno), uma menina de nove anos que busca incessantemente o carinho e a compreensão dos pais, uma famosa estrela do cinema (Gabriel Garko) e uma célebre pianista (Charlotte Gainsbourg). Entretanto, suas tentativas são sempre frustradas, uma vez que seus pais têm mais afinidade com as filhas geradas em outros casamentos do que com ela.

O pai de Aria deixa a casa, logo no início, levando a sua monstruosa filha mais velha Lucrezia (Carolina Poccioni), mas isso não melhora em nada a vida de Aria, pelo contrário. Sua mãe faz promessas vagas de uma viagem que elas farão juntas em breve, mas quando chega a hora ela vai com um dos namorados desprezíveis que conhece ao longo do filme. É então que Aria começa a transitar entre a casa da mãe e do pai, encontrando no caminho um gato preto chamado Dac, que se torna o seu companheiro inseparável.

Essas idas e vindas se tornam um padrão na medida que Aria é empurrada de um lado para o outro, vista principalmente como uma inconveniência pelas suas irmãs e pais egomaníacos. Em certo ponto fazendo com que Aria passe a noite na rua, o que acaba sendo, paradoxalmente, o momento mais feliz da personagem.

Embora brevemente inspirado em sua própria vida (Aria é um dos nomes de nascimento de Asia), a cineasta faz do filme um conto acessível e cheio de nuances. Argento consegue encontrar um certo grau de humor negro nas agruras de sua personagem, evitando assim a autopiedade.

Visualmente, Incompreendida é uma maravilha técnica. A fotografia de Nicola Pecorini junto com a produção de arte de Eugenia F. Di Napoli, criam uma aparência excêntrica que presta homenagem aos épicos de terror do pai de Argento, Dario. Giulia Salerno se destaca no elenco como a jovem Aria, enquanto Poccioni e Gainsbourg (num papel que poderia ser da própria diretora, que também é atriz) são ambos terríveis como duas pessoas que nunca deveriam ser autorizadas a ser pais.

O único problema do filme está em seu plano final quando Aria se comunica diretamente com o público quebrando a quarta parede: “Digo tudo isto não para que sinta pena de mim, mas só assim você vai me entender melhor e talvez ser um pouco mais agradável comigo”. Com esse diálogo o filme cai na autopiedade que tanto evitou ao longo da sua uma hora e quarenta de duração. Não estraga a experiência, é verdade, mas poderia ser deixado de lado. Sim, Aria está tendo um momento difícil, nós a vemos andar pelo campo minado de sua pré-adolescência, e sem esse diálogo final já podemos ver a mulher forte e resistente que ela se tornará, o tipo de mulher que um dia olhará para trás, para as misérias do seu passado, com uma certa quantidade de humor e auto-consciência, e talvez até transforme essas mágoas em um filme não muito diferente deste.

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