“Karen chora no ônibus” (Karen Llora En Un Bus, 2011), título e primeira cena do longa dirigido pelo colombiano Gabriel Rojas Vera, parece banal ao entregar assim facilmente ao espectador a objetividade descrita no nome. Mas não se deve deixar enganar, o filme mostra a força do cinema latino americano em tratar justamente de situações que de tão banais estão profundamente enraizadas nas regras pouco questionadas do cotidiano. Karen podia ser qualquer mulher entendiada no seu papel pré-estabelecido de esposa. Casada há pelo menos 10 anos, ela se encontra numa necessidade de imediato enfrentamento consigo mesma e isso a leva sair de casa, sem nada, com um currículo medíocre e sem o apoio de ninguém.
São pequenos elementos que fazem a breve trajetória de Karen revigorante. Um paletó solicitado significando dominação, uma aliança empenhada para pagar uma alimentação representando uma escolha, um cabelo cortado trazendo sensação de liberdade, uma maçã roubada numa banca como aventuras. Em determinado trecho do filme, Karen, em meio a uma conversa trivial, conta que está lendo “Casa de Bonecas” de Henrik Ibsen, uma das primeiras peças para o teatro a ter uma protagonista mulher que no fim do século XIX, em um casamento frustrante, decide abandonar o marido. E é com uma narrativa parecida com a peça do autor sueco que Gabriel Rojas trata, através de pequenos elementos, o que Karen ainda busca sem entender completamente: a ânsia de ser empoderada, de ter rédeas sobre a sua própria vida.
O ônibus, um elemento de passagem, é literalmente o que transporta Karen para essa nova vida. Sair de um lugar e ir para outro parece tão simples para quem observa, mas a viagem sempre tem seus percalços para quem é passageiro. Os pontos de ônibus da capital Bogotá servem para que Karen mude seus conceitos sobre dignidade. Ela aprende algumas artimanhas de rua, se desespera, entra em confusões, mas somente ela pode resolver os sentimentos que a tomam. É extremamente libertador ver Karen decidir por um novo corte de cabelo quando se lembra de sua colega dizendo “pelo seu corte de cabelo já vi que você era desse jeito”, o que um corte de cabelo pode dizer para uma pessoa? Para a nova amiga de Karen diz muito. Aliás, o longa passaria facilmente no “teste de bechdel”, com uma protagonista mulher, criando laços de amizade com outra mulher, em que trocam todo tipo de experiência.
O longa é o primeiro do diretor colombiano e mostra a força da narrativa cinematográfica latino-americana, usando como matéria-prima temas comuns ao cotidiano urbano e da vida privada. Com um roteiro enxuto mas repleto de pequenos detalhes de cena ou de diálogos, o longa se constrói de forma simples, juntamente com Karen, que de uma dona de casa apática passa a ser uma mulher com sonhos, vontade e decisões. Apesar do bom trabalho de Angela Carrizosa como Karen, quem rouba a cena é a amiga Patricia, interpretada por Angelica Sanchez, uma mulher que apesar de também insistir em relações problemáticas é dotada de um poder vibrante, uma personagem divertida e caricata, que segue em frente e carrega a amiga junto em situações divertidas.
Mulheres são levadas a crer que um dia irá surgir alguém que as tirarão do tédio cotidiano. Mas e quando é o tédio que molda a relação com um parceiro? Quando os diálogos entre essas duas pessoas se resumem em pequenas explicações cotidianos ou como bem observado por Karen, são definidas pela solicitação simplória de um paletó? “Sozinha? Mas você não sabe fazer nada” é o que diz o marido de Karen quando ela pede o divórcio e apesar do choro inicial, quando Karen voltar a sentar em um banco de ônibus será uma mulher completamente diferente, decidindo em quais paradas irá descer e para onde vai o seu destino.
Karen Chora no Ônibus
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