Longlegs – Vínculo Mortal

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Oz Perkins monta um circo cheio de atrações insanas e marcadas pelo suspense, para no final estragar explicando cada um dos números

O diretor estadunidense Osgood Perkins é um dos mais interessantes de sua geração, sem dúvida nenhuma. Os seus dois primeiros filmes, especialmente, February (2015) e A bela criatura que mora nessa casa sou eu (2016), mostram uma direção muito particular e também revelam obsessões que compõem um projeto estético em processo, demonstrando interesse em alinhar referências e métodos que fogem do corriqueiro no cinema de gênero. Oz não parece ter muito receio em mudar lógicas nesse cinema, mesmo que trabalhe com linhas derivadas de outras. Não era de estranhar a espera ansiosa no entorno de Longlegs, seu quarto longa-metragem. O filme ganhou publicidade sobre a proposta de que o filme iria fazer outros caminhos no terror/ suspense e também a presença de Nicolas Cage, ator que, apesar de extensa carreira no cinema de ação, drama e comédia na década de 1990 e começo dos anos 2000, vem se tornando símbolo de personagens transtornados e obsessivos muito bem executados.

Em Longlegs, Perkins traz uma história típica da década de 1990, mas que tem suas raízes no imaginário dos anos 70: chacinas familiares provocadas por algo/alguém externo, partindo do dispositivo que se resume a meninas com cerca de 9 que fazem aniversário na mesma data. Porém, o centro que irradia a história não são as figuras que assassinam, mas a agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe) que surge, como criança, já no prólogo do filme. Lee é quase desastrosa como protagonista (e aqui está uma boa sacada); é introvertida e tem uma espécie de poder psíquico para encontrar assassinos. A câmera está sempre filmando ela de frente e podemos ver de perto seus tiques nervosos, olhar fugidio, medos e incômodos. Assim como Clarice Starling em O Silêncio dos Inocentes, Lee se relaciona de maneira muito particular com o serial killer homônimo (Nicolas Cage), que age pelo poder da sugestão, presente não apenas em sua fisionomia, mas em seu jeito peculiar de falar (ou, até mesmo, cantar). Longlegs vai tentar atravessar esse caminho gelado, inóspito, de casas em vizinhanças vazias e questões familiares típicas da cultura estadunidense; como o que sobra no limite entre o sagrado e o profano, ou o poder da religião sobre qualquer ideia de ética.

Porém, Longlegs não convence. Nem a insanidade radical das cenas em que Cage/Longlegs aparece (sempre muito boas) consegue ser efetiva em um roteiro cambaleante. Perkins mostra toda a sua influência do cinema japonês, por exemplo, trazendo nos dois primeiros terços do filme marcas de sugestão instigantes, juntando com o que há de melhor em filmes como o já mencionado de Jonathan Demme, e Se7evn, de David Fincher. Em uma boa parte do filme, Oz Perkins consegue apostar em elementos de obsessão da cultura estadunidense com uma estranheza própria que acompanha a sua filmografia, mas joga tudo fora quando, depois de apresentar o circo com todas as suas atrações caóticas e perturbadoras, senta no picadeiro e explica cada um dos números apresentados. A última parte do filme é quase vergonhosa de tanta explicação. As pontas soltas, que poderiam ser interessantes, restam apenas como sobras de uma escrita que dá a impressão de ter sido apressada.

De forma nenhuma desgosto do cinema de Perkins, que sendo filho de Anthony Perkins – famoso pelo papel de Norman Bates, no clássico Psicose (1961), de Alfred HItchcock –, cresceu com um pai que também tinha interesses na direção de cinema que não fosse a corriqueira e cheia de maneirismos hollywoodianos – Anthony também foi criticado em sua época. Vejo no cinema do filho um processo que junta, em todos os filmes, elementos que desembocam numa obra própria. Por exemplo, a obsessão dele com as ideias de “perturbação feminina” – mulheres que movem forças obscuras, carregam dons malditos e se tornam assombrações de toda ordem –, algo que ele vem desenhando muito bem. Inclusive, atrizes tão díspares como Monroe e Kiernan Shipka atuando juntas é uma ótima aposta na potência da construção das personagens. A montagem e design de som de seus filmes brincam com quem assiste, no sentido de apostar que a construção do filme está além da racionalização da história e acaba se movendo pelo corpo todo.

Apesar de Longlegs não cumprir a promessa de ser algo extraordinário – mais pela publicidade –, com certeza é um filme que faz apostas altas em outras visadas do cinema de horror, querendo contar histórias que acionem nossos medos por outras vias. Um filme que merece ser visto e debatido, inclusive, uma pena que queira explicar demais o que pode ser deliciosamente inexplicável.

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