Na abertura de Lovecrat Country somos levados para o pesadelo de Atticus (Jonathan Majors), um jovem militar que luta numa guerra intergaláctica longe de ter um fim. Em meio aos monstros com braços de polvo, naves alienígenas e uma princesa de Marte que anuncia o seu perigoso destino, o dia é salvo por Jackie Robinson, o primeiro jogador de basebol negro a fazer parte da liga principal do esporte dos Estados Unidos, que destrói a criatura Cthulhu. Ao som da narração do filme de 1950 que conta a história do menino Robinson e seu sonho, o pesadelo chega ao fim e Atticus acorda. Para crianças e jovens negros daquela (e de qualquer) época era difícil se apegar a figuras negras de destaque e identificar heróis numa cultura segregada, que separava negros e brancos em transportes, escolas, bairros e estabelecimentos. É na ficção que os personagens depositam sua criatividade e esperança para tentar reconstruir seu valor e autoestima, portanto os livros mostrados na série como easter egg dão conta desse recado, além de fazerem parte de toda a narrativa da série, desde Drácula, A Princesa de Marte, O Conde de Montecristo, os contos do próprio H. P. Lovecraft e as histórias em quadrinhos criadas por Dee (Jada Harris) com temas afrofuturistas.
Escrita por Misha Green e produzida por Jordan Pelle (Corra!, Nós) e J.J. Abrams (Star Wars: A Ascenção Skywalker), a série conta a história do Atticus, que volta da guerra porque seu pai Montrose (Michael Kenneth Williams) está desaparecido. Com a ajuda de seu tio George (Courtney B. Vance) e Leti (Jurnee Smollett), uma paquera de infância, ele corre atrás das pistas para entender o paradeiro do pai e descobre que tudo isso é, na verdade, um plano para atraí-lo ao sacrifício, já que ele é o último descendente de Titus Brainwhite, um aristocrata branco que detêm poderes de magia para se tornar imortal. Mas o plano muda de figura, quando Christina (Abbey Lee), a única descendente mulher, mata toda sua família para conquistar a imortalidade para si. Depois disso, a magia passa a ser o ponto central da produção, mas cada episódio funciona de maneira quase isolada, abraçando diversos gêneros como o de aventura estilo caça ao tesouro, o body horror, hentai coreano e o futurista. São justamente nesses episódios que a série mais acerta, dando espaço para as protagonistas femininas, e se distanciando um pouco do foco principal do Atticus de Jonathan Majors, que inclusive tem o papel mais difícil de interpretar. Sempre pelas arestas das tramas, o protagonista é mais reativo e com um passado familiar e amoroso traumáticos, banca um semblante sério e distante.
Mesmo tendo Christina como a vilã que puxa a narrativa da série, o verdadeiro mal em Lovecraft Country é o racismo que não se esconde nem entre os feitiços, fantasmas e monstros. Dá pra destacar vários momentos importantíssimos como a experimentação de Ruby (Wunmi Mosaku), que se transforma numa mulher branca, consegue o tão sonhado emprego e desfruta de um privilégio que nunca foi seu, mas também entende que essa liberdade tem um preço. Hyppolita (Aunjanue Ellis) ganha um episódio poderoso e viaja por dimensões para descobrir quem é ela além de esposa e mãe, passando a reivindicar seu nome, seu conhecimento em ciência e sua força, agora não mais interrompida. A HBO, que também já trabalhou o massacre histórico de Tulsa em Watchmen, revisita o período numa viagem no tempo de seus protagonista e entrega uma sequência emocional quando Leti assiste a avó de Tic entre as chamas.
Com um final que pode mudar a história dos negros, Lovecraft Country não é só uma série de terror e um espetáculo visual, é também parte da conversa franca sobre o racismo contado por negros, que reconhecem sua história e reverencia a luta de por liberdade de um povo oprimido sem intenção de ser mascarado, mas tomando posse do seu lugar de fala para encaixar diversas situações vistas tanto na ficção quanto na realidade.