Não Sou um Canalha é um drama poderoso que parece quase um documentário de Emmanuel Finkiel, que atuou em De Tanto Bater, Meu Coração Parou, e acompanha um francês de classe trabalhadora que acusa um inocente árabe como culpado depois de ser esfaqueado na rua.
Finkiel constrói incisivamente seus personagens principais, desenvolvendo seus relacionamentos e, no caminho, mostra toda a alienação deles, seus ressentimentos e racismos, pintando um quadro em que as fraquezas dessas personas são comuns de forma angustiante, mesmo que o ato final adicione uma bela camada extra de violência a todo o contexto apresentado no longa.
No filme, Eddie (Nicolas Duvauchelle, de Por uma Mulher) vai defender um carro que está sendo assaltado e acaba sendo esfaqueado. Com isso ele ganha a simpatia e atenção da sua ex (Melanie Thierry, de Um Dia Perfeito) que estava afastada dele há algum tempo. Já a vida de Ahmed (Driss Ramdi, de Mutações) começa a desmoronar, quando ele é acusado do crime que não cometeu, apenas porque Eddie o viu alguns dias antes em um processo seletivo no qual participava.
Dizer que o filme culmina com um ato poderoso de violência e catarse é, em parte, um spoiler necessário (mesmo que não muito grande). Afinal, toda a estabilidade precária na vida de Eddie, baseada na prisão de um cara inocente, vale a pena?
O roteiro não esmiúça significativamente os pensamentos de Eddie e nem precisa: Ahmed pega a vaga de trabalho que Eddie tanto almejava e a polícia revela todo o seu racismo ao comprar a ideia de que Ahmed é o culpado apenas pela acusação de Eddie. O tabuleiro está montado para você imaginar um perfil completo: Eddie é a representação da crescente classe que vota na extrema direita e que precisa de uma melhor educação básica para entender a coisa toda melhor, somente para começar. Você consegue ver em Não Sou um Canalha, um sentimento de grande alienação das classes média e alta, um preconceito latente e o medo do diferente, além de raiva – muita raiva (qualquer semelhança com os Bolsominions não é mera coincidência).
O título Não Sou um Canalha é a aposta de Finkiel em dar todas as concessões razoáveis para o seu protagonista. Quando ele está se sentindo valorizado, Eddie é uma pessoa agradável, carinhoso com sua mulher e brincalhão com seu filho. No entanto, no momento em que ele acredita ser visto como fraco, ele se torna brutal e ameaçador. Ele almeja tudo que os outros têm, apenas para não se sentir rebaixado, seja um bom carro, um bom trabalho, uma casa melhor ou mesmo uma TV de LED. Ele e a câmera estão sempre olhando ao redor, mas apenas a câmera é que traz a verdade: Eddie mal consegue processar seu próprio reflexo.
A intensidade de Duvauchelle é perfeita para interpretar Eddie. O ator constrói a tensão através de um olhar profundo, desconfiado e que faz parte da animosidade exterior junto com a insegurança interior do psicológico do personagem. Ele e Thierry são ótimos juntos. A interpretação dela mostra toda uma vitalidade que não parece destruída facilmente, mesmo com toda a tendência de Eddie à violência.
Não Sou um Canalha é elaborado com naturalismo, lembrando quase um documentário observacional, o que dá muito medo. Afinal, saber que um cara como Eddie pode estar aí, no apartamento ao lado do seu, não é nada reconfortante!