Com Nebraska, Alexander Payne cria um retrato nostálgico e ao mesmo tempo crítico da América, explorando a relação entre pai e filho de maneira sutil e carregada de significados. Optando pelo preto e branco, o diretor busca uma estética que remete a outra era, mas não romantiza o passado. Pelo contrário, ele expõe a estagnação de valores antiquados e a ilusão de que os “bons tempos” foram realmente melhores. A atmosfera melancólica e atemporal nos leva a uma história que poderia se passar em qualquer momento recente, reforçando a ideia de que certas questões são eternas.
Em uma mistura de drama e comédia, Payne constrói um road movie nada convencional, sem os momentos de reconciliação sentimental típicos de Hollywood. O vínculo entre Woody (Bruce Dern) e seu filho David (Will Forte) é ambíguo e conflituoso, com o idoso preso em suas crenças inabaláveis e em um visível declínio cognitivo. Woody, às vezes lúcido, mas frequentemente perdido em memórias, se agarra a uma ilusão de riqueza que serve tanto como metáfora quanto como catalisador da trama. A jornada revela não apenas o humor e a fragilidade humana, mas a dificuldade em lidar com o envelhecimento de quem amamos.
Bruce Dern entrega uma atuação memorável e multifacetada como Woody, um personagem complexo que desperta simpatia sem ser cativante. Woody é teimoso, irritadiço e incapaz de perceber que seu “prêmio” é uma fraude, e Dern o interpreta com autenticidade, sem apelar para o sentimentalismo. A atuação de Will Forte, mais contida e sutil, complementa a de Dern ao trazer à tona a frustração e resignação de um filho que deseja, mas não consegue, entender o pai. E June Squibb, no papel de Kate, a esposa franca e destemida de Woody, rouba a cena com sua veia cômica e sua presença marcante.
O enredo é impulsionado pela crença de Woody de que ele se tornou milionário após receber um folheto de “sorteio”. Ele está decidido a ir a Lincoln, Nebraska, para buscar seu prêmio, e David, ciente de que é uma perda de tempo, decide acompanhá-lo. No caminho, eles fazem uma parada na casa de familiares, e Woody, sem hesitar, conta a todos sobre seu “ganho”, provocando a ganância dos parentes e conhecidos, que começam a ver nele uma chance de obter algo para si.
A narrativa é minimalista e foca mais nos personagens e diálogos do que em grandes acontecimentos. Como em As Confissões de Schmidt e Sideways, Payne prioriza os detalhes e as interações humanas para transmitir uma visão agridoce das pessoas e da natureza humana. A presença do dinheiro, mesmo ilusório, revela o lado mais interesseiro dos personagens, mostrando que a cobiça está presente mesmo nos lugares mais remotos e nas pessoas mais simples.
Um dos momentos mais emocionantes ocorre quando Woody, David, e os familiares visitam a casa em que Woody cresceu. Ao recordar quem viveu em cada cômodo, Woody se perde em suas memórias, permitindo-nos vislumbrar a dualidade entre passado e presente. A cena é universal, representando o confronto entre lembranças e realidade, e o peso de voltar a um lar que nunca mais será o mesmo. É uma reflexão melancólica sobre o tempo e o que ele deixa para trás.
Nebraska se destaca por seu equilíbrio delicado entre drama e comédia, evitando cair na tragédia, mas sem ignorar as dores de seus personagens. Com uma abordagem sensível e honesta, Payne oferece uma obra cativante, que dialoga com os que já se emocionaram com suas produções anteriores. Para quem valoriza filmes voltados para os personagens, esta é uma experiência imperdível.
Infelizmente, filmes como Nebraska parecem cada vez mais raros em um mercado dominado por produções de grande orçamento e narrativas previsíveis. Esta é uma obra que clama por uma audiência que aprecie histórias pessoais e profundamente humanas. Uma joia rara, Nebraska nos lembra do poder de uma narrativa simples e bem conduzida, capaz de tocar temas atemporais com uma sensibilidade ímpar.