Lawrence da Arábia

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O aspecto mais convincente de “Lawrence da Arábia” é a maneira como disseca a personalidade fluida e muitas vezes contraditória do personagem-título

Épicos históricos sempre foram sucessos na indústria cinematográfica. Ao longo dos anos, evoluíram para acompanhar os tempos e atender às expectativas do público. Os espectadores na década de 1910 tiveram o racista O Nascimento de uma Nação, de D. W. Griffith, enquanto os cinéfilos dos anos 2000 foram fascinados pelo banal, mas visualmente impressionante, Pearl Harbor.

Entre 1910 e os anos 2000 estão os melhores épicos e, embora seja impossível destacar um como o melhor de todos, Lawrence da Arábia, de David Lean, é certamente um forte candidato à vaga. Fascinante do começo ao fim, com performances arrebatadoras, cinematografia incrível e uma história envolvente, o filme tem tudo o que um épico deve ter – e muito mais.

O filme acompanha as façanhas grandiosas de Lawrence (Peter O’Toole), um oficial do exército britânico servindo no Oriente Médio durante a Primeira Guerra Mundial, que, segundo um observador; era um poeta, um estudioso e um poderoso guerreiro.

Lawrence da Arábia apresenta cinco grandes eventos: a incursão inicial de Lawrence no território árabe e seus encontros com Feisel e Sherif Ali Ibn El Kharish (Omar Sharif), sua jornada através do deserto de Nefud e subsequente ataque a Aqaba, sua tortura nas mãos dos turcos em Deraa, sua liderança no massacre de Tafas e a sua vitória em Damasco. Vemos como cada um desses eventos constrói a reputação de Lawrence e molda seu caráter. Até sua captura em Deraa, ele acredita ser capaz de tudo – um semideus com indumentária árabe. Mas, após o tratamento brutal e degradação, ele se torna um homem amargo, inseguro e sedento de vingança.

O aspecto mais convincente de Lawrence da Arábia é a maneira como disseca a personalidade fluida e muitas vezes contraditória do personagem-título. Como muitos dos melhores filmes clássicos de “guerra” (como Patton – Rebelde ou Herói?), ele usa as batalhas como pano de fundo para o estudo do personagem.

As sequências de combate em Lawrence da Arábia são superficiais, com poucos detalhes. Isso nos permite focar no indivíduo que está no epicentro da tempestade. Quando o conhecemos, ele é um excêntrico que deseja uma missão no deserto (chamando isso de “diversão”), algo que seus companheiros evitam. O filme explora a amizade de Lawrence com Sherif Ali e mostra como os árabes o adotam de boa vontade como líder, mesmo ele tendo pele branca. Mas a psique de Lawrence sofre um duro golpe após a tortura nas mãos dos turcos. Inicialmente, ele não está disposto a retornar ao deserto, mas, quando ordenado a fazê-lo, ele volta movido por um novo desejo de matar e um desejo de vingança. Sua missão final – a captura de Damasco – mostra o lado obscuro do personagem.

partir de pistas do roteiro e particularmente de alguns dos maneirismos que O’Toole emprega ao personagem, fica claro que o personagem-título pode ser homossexual. Identificar isso, no entanto, requer um pouco de leitura nas entrelinhas. Em 1962, um grande filme não poderia ter sido feito com um protagonista abertamente gay – mesmo que tivesse sido feito, teria naufragado nas bilheterias.

Há uma estranheza visual associada à maneira como Lawrence da Arábia foi filmado. Como não foi possível filmar cenas noturnas, elas foram filmadas durante o dia usando filtros (a chamada noite americana). Assim, embora pareça noite, os camelos e cavalos lançam sombras visíveis. Hoje, computadores seriam usados para apagar digitalmente essas sombras (mas hoje, provavelmente, as filmagens seriam realizadas depois do anoitecer). Porém, a existência delas em Lawrence da Arábia acrescenta um tom sobrenatural às cenas em que as “sombras noturnas” aparecem.

Para David Lean, considerado um dos mestres do cinema épico, Lawrence da Arábia representou a produção mais ambiciosa de uma carreira. Restaurada a sua totalidade em 1989, a versão disponível hoje mostra a história como Lean pretendia que fosse vista – desde que seja vista na telona, e não em uma pequena tela de TV. Claro que Lawrence da Arábia funciona na telinha, mas ele é o tipo de filme cuja cinematografia acrescenta o fator mais importante para se ver na telona – a grandiosidade. Quando ela está presente, torna-se um evento – algo em que até o espectador mais inquieto se deixará levar.

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