No fim de 1977 o mundo perdia um dos maiores ícones da história do cinema: Charles Chaplin morria aos 88 anos e deixava uma infinidade de fãs de luto pelo mundo afora. Logo após o enterro, Chaplin ainda seria matéria de jornais por conta do roubo do seu corpo em um cemitério da Suíça. Na época o caso ficou muito famoso pois atravessou a virada de 77 para 78 e recebeu uma grande atenção da mídia mundial, sem contar os inúmeros telefonemas diários que a família recebia de possíveis sequestradores. Em O Preço da Fama, do diretor francês Xavier Beauvois, a história é contada em tom de comédia e crítica, usando vários elementos típicos do cinema de Chaplin como forma de homenagem.
Em O Preço da Fama, Eddy (Benoît Poelvoorde) e Osman (Roschdy Zem) são dois amigos e imigrantes que vivem na Suíça. Eddy acabou de sair da prisão, é um leitor ávido e conhecido por ser divertido, já Osman vive na periferia com sua filha e esposa que está internada em um hospital por um problema na pelve. Após a saída de Eddy da prisão, Osman acha certo ajudar o amigo e consegue um trailer antigo para que ele possa viver com seus livros e perto do amigo. Mas a vida de ambos está complicada, Osman não tem a união com a esposa Noor reconhecida pelas leis suíças, e por isso deve em torno de 50.000 francos ao hospital, sua filha Samira sonha em ser veterinária e ele se vê impotente diante da vida. Em um momento de iluminação Eddy, ao ver na TV sobre a morte de Chaplin, começa a arquitetar uma ideia de roubar no cemitério o corpo do cineasta e pedir um bom dinheiro em troca.
O plano de Eddy e Osman quase soa idiota ao espectador, afinal quais as chances deles em se dar bem em uma operação arriscada e que envolve uma cobertura mundial? Por isso o uso do tom de simplicidade na narrativa do longa, assim como havia nos filmes de Chaplin, é a riqueza do comum, do que não tem voz, dos “outros” que predomina. Apesar de todo o conflito que uma situação dessas exigiria dos dois sequestradores, ambos estão imersos em suas pequenas peculiaridades, e o que dá identidade à narrativa também faz com que a dupla não consiga se desenvolver no decorrer do filme, apesar das tentativas perceptíveis nos atores e nos elementos chaplinianos colocados em cena.
Por exemplo, a glória de Eddy e Osman está em sobreviver. Apesar de exigirem uma quantia alta de pagamento no início do sequestro, os dois logo se sentem cansados e desesperados e vão diminuindo o valor. Percebe-se que eles são imaturos como ladrões e que não tem nenhum glamour ou mesmo tentativa de fama em cima da situação, querendo apenas sobreviver. Apesar da proximidade que os protagonistas tem de uma figura como o Carlitos, faltam elementos de empatia com o espectador, ou talvez a apatia dos personagens seja justamente uma forma de crítica. É difícil perceber o nuance de um ou outro no longa.
Críticas sociais e homenagem às figuras do cinema de Chaplin se misturam no filme. Em dado momento Eddy diz que eles também são como personagens de Chaplin – simples e pobres, vítimas de um sistema – e por isso merecem o dinheiro cobrado, que na verdade seria uma forma de ajuda, uma espécie de justiça. As denúncias feitas por Chaplin, ainda na infância do cinema, são muito parecidas com as propostas no longa de Xavier. Os imigrantes aqui são uma ponta do iceberg que navega pela Europa, e a falta de dignidade – ironicamente a que eles foram procurar por lá – é o que os fazem pensar em medidas trágicas, e apesar do filme se passar em 1977, as cenas e os personagens ainda são latentes exatamente nesse momento.
Os maiores destaques de O Preço da Fama estão nos pequenos detalhes, nos olhares e comportamentos dos personagens e nas pequenas comédias cotidianas. Mesmo que uma sinopse dê a noção de que o roubo do corpo de Charles Chaplin envolva uma odisseia de ladrões, polícia e telefonemas, no longa de Xavier Beauvois tudo reside na simplicidade da referência, até mesmo na mesquinhez do comum e sem glória. Nesse caso, Chaplin não se desapontaria.
O Preço da Fama
Você também pode gostar...